395px

Embolada da Caveira

Castanha e Caju

Vem ver, Lucimar
A noite como está linda
Eu não tinha visto ainda
Aquela estrela brilhar

Vem ver, Lucimar
A noite como está linda
Eu não tinha visto ainda
Aquela estrela brilhar

Eu vou cantar um trabalho
Não vou contar rasoeira
Cantar pra o povo ouvir
Pra a sociedade inteira
Vou falar sobre um rapaz
Que mangava de caveira

O meu pai sempre dizia
Que as vezes o homem é chato
Toma cana, se embriaga
Joga fortuna no mato
Que o homem pratica o crime
Pra depois pagar o pato

Morava numa cidade
Um tal de Zé da Piada
Que tinha um filho solteiro
Todo cheio de palhaçada
E o povo já te chamava
O Capeta da Risada

Era de uma qualidade
Que no canto que chegava
Se fosse pra uma festa
No lugar que ele habitava
E se chegasse numa missa
Com três risadas acabava

O seu pai sempre dizia
Meu filho, não tem proveito
Mangando de todo mundo
Isso eu num tô satisfeito
Como é que você se cria
Tão safado desse jeito?

Ele dizia: Papai
Ninguém tira meu valor
Tomo cana, faço crítica
Nem me importa, com amor
Tô grande, faço o que quero
E dar banana pro senhor

Aí o rapaz criou-se
Não parecendo ser gente
Mangando de todo mundo
Era seu prazer somente
Mas deixa que o café dele
Tava fervendo na frente

Então o rapaz vivia
Na farra, na bebedeira
Mangar de padre, de missa
De terço e de rezadeira
Mas um dia ele lascou-se
Nas unhas de uma caveira

Ele estava numa venda
Tomando uma misturada
Quando olhou, viu um enterro
Ele deu uma risada
Disse: Eu vou olhar de perto
Ver se é solteira ou casada

Chegou perto do enterro
Só um chorando ele viu
Ele disse: Dê licença
O defunto descobriu
Quando ele viu o defunto
Deu um pinote e sorriu

Um homem lhe respondeu
Fazer assim não convém
Respeite que o caso é sério
Você vai morrer também
O Capeta perguntou
Quantos chifres é que ele tem?

Ali ninguém deu ouvidos
A pergunta do rapaz
Disseram: Puxem o caixão
Com lágrimas sentimentais
Era um chorando na frente
E o Capeta rindo atrás

Entraram no cemitério
O Capeta acompanhou
Deixou o caixão com o povo
Pra outra cova ele olhou
E foi mangar de uma caveira
Noutra cova que encontrou

Quando ele viu a caveira
Foi logo se divertindo
Começou jogando pedra
A pedra saía zunindo
Era arrodeando a cova
Dando pinote sorrindo

Foi dizendo pra caveira
Eu quero ver tu falar
Quantos anos tem de morta?
Ou morresse sem casar?
Que tu sem me dizer nada
Tá ruim pra eu adivinhar

Deu um baque na caveira
Que a caveira estremeceu
E disse: Não há quem conte
Quantas canas isso bebeu
Se quer ir tomar uma agora
Vamo, quem paga sou eu

Ele pegou embolando
A caveira pelo chão
Começou jogando praga
Dando tapinha de mão
E dizendo: Caveira eu sei
Que tu foi da raça de cão

Ainda disse pra caveira
Quem botou você aqui?
Quantos anos tem de morta?
Se é da terra que eu nasci?
Porque feia igual a tu
Nesse mundo eu nunca vi

Ficou mexendo com ela
Pegou fazendo zoada
Também fazendo careta
Dizendo coisa engraçada
Que uma murrinha dessa
Vai me matar de risada

Deu tchau pra caveira e disse
Tá chegada a minha hora
Mas se quiser tomar uma
Vamos comigo lá fora
Eu pergunto e tu não fala
Te lasca que eu vou me embora

Ele disse pra caveira
Fica aí, na solidão
Se você quer uma cana
Aproveita a ocasião
Que eu estou lhe esperando
Na passagem do portão

Ele parou num boteco
Disse: Bote uma caninha
O cara encheu o copo
O gota bebeu todinha
E viu o grito da caveira
Só sai se pagar a minha!

Quando ele viu a caveira
Com aquele buruçu
Danou o copo na mesa
E não pagou nem a pitú
E disse: O diabo é quem espera
Pra beber cana mais tu

O Capeta fez carreira
E a Caveira acompanhou
De passo em passo gritava
Me espera, que eu também vou
O Capeta com tanto medo
Que até de sorrir parou

O Capeta ainda disse
Aquilo foi brincadeira
Ela disse: É pra você
Não mangar mais de caveira
O Capeta disse: Agora
Vai ser minha derradeira

Ele entrou numa mata
Que só tinha calumbi
Se escondeu-se numa moita
Disse: Ela voltou dali
A Caveira disse: Besta
Faz tempo que eu tô aqui

Quando ele viu a caveira
Embolando feito um ovo
Ele disse: Tá ruim
Meu problema eu num resolvo
Deu um baque na caveira
E começou correr de novo

Na frente tinha uma casa
Numa mata desprezada
Ele entrou, fechou a porta
E disse: Aquela malvada
Não vai saber que eu estou
Nessa casa abandonada

Com pouco tempo ele viu
Uma coisa se arrastando
Era a Caveira que vinha
Do quarto se aproximando
Dizendo: Faz mais de horas
Que eu tô aqui te esperando

Quando ele viu a Caveira
No momento conheceu
O seu medo foi tão grande
Que o corpo todo tremeu
Pendurou-se numa ripa
Pulou a porta e correu

O Capeta fez carreira
Pelo uma serra que tinha
Na frente ele viu um forno
De uma casa de farinha
Disse ele: Eu vou me esconder
E me livrar daquela tinha

Entrou debaixo do forno
Parecendo um marginal
A Caveira, pelo suspiro
Entrou no mesmo local
Bateu na bunda dele e disse
Foi bom, que cheguemo igual

Na frente tinha um pé de coco
Daquele coqueiro baixo
Ele se trepou em cima
E se pendurou num cacho
Disse: Eu vou lascar um coco
Na cabeça dela, embaixo

Quando ele ia no meio
Viu as folhas se bulir
A Caveira disse: Venha
Que eu tô te esperando aqui
O Capeta pulou e disse
O Diabo é quem vai pra aí

Na frente tinha uma cerca
Rodeada de bambu
O Capeta disse: Agora
Eu vou me esconder de tu
Entrou e ficou debaixo
De um grande pé de cajú

O Capeta ainda disse
Ô, canto bom eu achei
Tenho certeza que ela
Não viu por onde eu entrei
A Caveira disse: Trouxa
Faz é tempo que eu cheguei

Na frente tinha um riacho
Com muita água a correr
O Capeta disse: Agora
Nessa ponte eu vou descer
Que eu debaixo da ponte
Ela passa e não me vê

O Capeta ainda disse
Esse canto é bom, que eu acho
Quando olhou, foi a Caveira
Pinotada a ponta embaixo
Dizendo: Eu nunca pensei
De tomar banho de riacho

Quando ele viu a Caveira
Ficou bastante assombrado
Mergulhou num porão fundo
Dizendo: Eu tô acabado
Só sei dizer que o Capeta
Findou morrendo afogado

A Caveira disse: Agora
Tu não manga de ninguém
Tu vai lá pra o cemitério
Que lá tem lugar pra cem
Tu mangasse de caveira
E já soi caveira também

Disse a Caveira: Se alguém
Perguntar quem te matou
Você diga: Foi a língua
Pelo mau que praticou
E o que eu queria já fiz
Te lasca que eu já me vou

Vem ver, Lucimar
A noite como está linda
Eu não tinha visto ainda
Aquela estrela brilhar

Vem ver, Lucimar
Olhar a noite como está linda
Eu não tinha visto ainda
Aquela estrela brilhar

Composição: