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Edvaldo Silva

Ao Cubo

LetraSignificado

    Dá licença, ei moço
    Você de costas (eu?)
    É, você mesmo!
    Trouxe um folheto pra você, tá? Até logo

    Lá no fundo sombrio de um bar cheio de mosca
    Camisa quadriculada por fora da calça larga e fosca
    Barba melada de leite que escorria pela boca
    E a baba de outros dias marcada na roupa
    Segurava meio trêmulo sua caneca de cabo cinza
    Caminhando lentamente com destino à saída
    Começa mais um dia ou só mais um que se elimina
    Pelo homem com o nome Edvaldo Silva

    Não sabe o significado de afeto e amor
    Não conhece o pólen, as pétalas da rosa, só o espinho da flor
    Lembrança da vida só na infância marcada com trauma e dor
    Ainda a memória do pai animal sem amor
    Que não tinha profissão e a um tempão fazia michê
    Saía com homem ou mulher pra ter alguma coisa pra comer
    Vendia farinha, maconha, seu corpo para quem quisesse ter
    Tudo dentro de casa pra família ver

    Foi crescendo Edvaldo Silva
    Trancado num quarto com sua mãe Vilma
    Com o berço atrás da cortina ouvia tudo que acontecia
    Seu pai com outras meninas, sua mãe no meio também lhe servia
    A noite inteira, música alta, droga e bebida
    Há oito anos o pai trancava o quarto e com a chave saía
    Em busca de novos clientes que quisessem droga, seu corpo ou da Vilma
    O menino entraria no meio ao completar dez anos de vida
    Muitos clientes procuravam pedofilia

    Há muito tempo dona Vilma tentava fugir com Edvaldo Silva
    Sempre soube que aquilo não era futuro pra sua família
    Então, num lindo domingo fugiu com o menino e foi pra polícia
    Desabafou com o delegado que fez a perícia
    Ah! Seu moço, o senhor tem que me ajudar
    Meu filho Edvaldo vive onde uma criança não pode estar
    Cárcere privado, prostituição e tráfico no lar
    E se meu marido me ver aqui vai me matar

    O pai do garoto já esperava por isso
    Então aguardou que a polícia chegasse o mais cedo
    Colocou o retrato da família na parede e pro filho comprou um brinquedo
    Deixou a casa um brinco, geladeira cheia e presente no berço
    Esperou a família no sofá segurando um terço
    Chegado o delegado investigou o caso e ficou naquele quarto durante horas
    Procurava um objeto certo ou que chegasse perto a ser uma prova
    Não encontrou nada na cama, nem na vizinhança que lá era nova
    Nem sequer uma pista forjada, uma pista idiota

    Dona Vilma estava insegura, conhecia o marido desde o primeiro beijo
    Se arrepende de ter colocado o nome do filho assim do mesmo jeito
    Tem certeza que sua segurança seria infinita se ele fosse preso
    Sabia que era frio, imprevisível pra sentar o dedo
    A moça se desiludiu, chorou como um rio, entrou em desespero
    Parecia em estado de choque, esperando a morte, até falava com o espelho
    Gritava bem alto na janela que aquilo era uma cela e seu filho tava preso
    Já tava à beira da loucura, tudo por medo

    O pai do menino Edvaldo agia na moita, não deixava aviso
    Ele vendo as atitudes da Vilma foi oportunista, certo e preciso
    Deu depoimento na polícia e provou que a Vilma não tinha juízo
    Tava com sintomas de loucura, então mandou pro hospício
    Mas ela até achou melhor assim, não conseguia mais dormir com o inimigo do lado
    Mas antes de ser internada, pegou o filho e mandou pra outro estado
    Qualquer cidade bem longe, a rua é mais segura do que aquele quarto
    Não sabia a próxima vez que o veria, mas tava assinado

    Essa é a única lembrança que tem na memória do homem Edvaldo
    Se passaram vinte e sete anos da última vez que esteve em São Paulo
    Hoje em dia vive numa guia pedindo comida e sendo envergonhado
    Agora é só mais um mendigo condenado
    Sem pressa toma todo leite e guarda a caneca de cabo cinza
    Põe dentro da sacola, onde leva o cobertor e três mexericas
    Nunca pediu pra vir pro mundo, mas já que tá, fica
    E assim se passam os anos de Edvaldo Silva

    Na sacola encontra um papel que guardou quando estava no bar cheio de mosca
    Lembra desse folheto quando recebeu da mão de uma moça
    Com o folheto se emociona ao ver pessoas de mãos dadas sorrindo à toa
    Se tivesse um amigo a vida seria boa
    Edvaldo fica imaginando quem era a moça
    E porque se importaria em levar um folheto
    A um mendigo sujo e fedido que vive numa guia
    Pensou que pudesse ser engano
    Mas se enganar com um sujeito que fede a carniça
    Edvaldo guardou o folheto e seguiu sua trilha

    Diariamente escala o escadão até o último degrau, como se fosse um trabalho
    Senta e descansa a sacola, abre a camisa e tira o sapato
    Do alto olha o asfalto e toda correria das pessoas nos carros
    Assim o dia passa mais rápido, é como um atalho
    Fica lá de cima contando o sino da estação soar várias vezes
    Trem chegando, partindo, as mesmas pessoas passam como fregueses
    Chega a ser quase invisível, se não fosse o desprezo de muitos deles
    Edvaldo chora por dentro o choro de meses

    Quem são esses seres que me olham bem no olho?
    Disfarçam que não me viram pra não enxugarem meu choro
    Eu sou a paisagem, pior que um tapa no rosto
    Acredite, ser humano é esse corpo
    Tenho vergonha da minha miséria, que tortura que é a fome
    Ela se alimenta de pele escura e de pele amarela, mas pele de pobre
    Como um golpe forte, três pontas de chicote
    Que invade a carne com um corte

    Os que passam e me chutam
    Provavelmente são criados na sela
    Como animais de um condomínio que a janela
    Tem grades pra se protegerem da favela
    Estou ferido, tem valentão que me taca pedra
    Uns tem muita grana e são chamados de rico
    Outros dormem na lama e são confundidos com lixo
    Ser humano é isso, acredite, não é bicho
    No fim apodrece com ou sem distintivo

    Já vai escurecendo, mas ainda tá cedo
    Edvaldo sente fome e não faz pouco tempo
    Então pega uma mexerica e descasca com o dedo
    Joga a casca no chão, perto de um folheto
    Ele estranha quando vê o mesmo folheto que tem jogado num vão
    Estão se levanta com a sacola e sai por cima do escadão
    Pega o que tinha guardado e com o outro faz uma comparação
    E vê que os dois são iguais, sem exceção

    Edvaldo se emociona de novo com a imagem da ilustração
    Acredita que se aquele lugar existisse seria sua solução
    E de repente Edvaldo se espanta com tantos folhetos espalhados no chão
    E lá na frente a mesma moça entregando na porta de um salão
    E pra quem ela entregava avisava de uma reunião
    Que era hoje, às sete da noite com o tema de salvação
    Edvaldo continua caminhando, aperta o passo e vai em direção
    À moça que o convida pra entrar e o pega pela mão

    Continuação

    Composição: Vulgo Feijão. Essa informação está errada? Nos avise.
    Enviada por Guilherme. Legendado por ershilley. Revisões por 3 pessoas. Viu algum erro? Envie uma revisão.

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