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Poema Circular

Apparicio Silva Rillo

LetraSignificado

    Não, não me procurem mais
    No meu velho endereço lá no campo
    Eu estou me mudando
    Eu estou de mudança
    Estou mudado

    Compreendam
    No meu velho endereço lá no campo
    Só havia ficado o coração
    Já menos moço, para os frios de agosto
    Para os ventos parados de verão

    O resto, braços e pernas
    Mãos, tronco e cabeça
    Há muito tempo já pagava fretes
    Num caminhão de carga que os trazia
    Pela fita do asfalto
    Meu um a um

    Claro, vinha os pedaços como resistindo
    E quanto resisti
    Partido, repartido
    A metade de lá chamava a outra
    Que havia se mudado para aqui

    Eu ia
    E no meu velho endereço lá no campo
    Estava a bombacha vazia, no espaldar da cadeira
    E como é triste uma bombacha vazia do seu dono

    Meu chapéu sem cabeça nos cabides
    Um lenço Colorado sem pescoço
    As botas paralíticas junto ao penico de louça sob a cama
    O meu jeito de andar perdido delas

    Não, não me procure mais no meu velho endereço lá no campo
    Eu estou me mudando
    Eu estou de mudança
    Estou mudado

    Trouxe nas malas anos de recuerdos
    As esporas do avô
    Um mango retovado
    Uma franja de pala, um barbicacho
    Um estribo sem loro, uma cambona

    Uma panela com terra, um boizinho de argila que não berra
    E um cavalo de ventos para andar
    Tudo isso nas malas, elas que são o avesso da gente
    Porque são íntimas de nós, e nos carregam

    Não, não mandem mais ao meu velho endereço lá no campo
    Livros de versos, discos e romances
    Revistas e jornais
    Nem avisos de amigos que morreram
    Nem notícias de netos que chegaram como
    O menino Jesus pelos natais

    Tudo isso
    Vinho de alma, pão para matéria
    Tem um novo endereço de remessa

    Uma casa de brisas e tijolos
    Numa cidade que eu amei depressa
    Pelas raízes campeiras que ainda encontro
    Nas ruas de seus bairros e travessas

    Ah, quanto cantei!
    De alma limpa e boa boca
    Em salmos e protestos e orações
    O meu terrunho onde deixei plantado
    O que tive de melhor no coração

    Um dia os que virão
    Hão de saber que eu estanciei por lá
    Nesta casa amparada por retratos que vigilam
    Na sombra como guardas de uma herança
    Que eu não sei quem herdará

    Na casa, fiéis como estes gatos
    Que não mudam, embora se mude o dono e vá se embora
    Estarão meus livros e a vitrola
    Para falarem por mim pelos meus versos
    E cantarem por mim pelas cantigas

    E assim, me hão de encontrar
    Os que saudarem nos portais do terrunho
    "Ô de casa"
    Que no meu tempo, escancarava portas
    E abria corações para os andantes

    Não, não me procure mais no meu velho endereço lá no campo
    Eu estou me mudando
    Eu estou de mudança
    Já mudei


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