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Análise completa da música Desconstrução, de Tiago Iorc

Analisando letras · Por Luiza Pérez

28 de Outubro de 2019, às 20:00

Se você não ficou sabendo do desaparecimento e da volta do Tiago Iorc em 2018 e 2019, você não viveu a internet direito!

O cantor e compositor brasiliense deu o que falar ao desaparecer por um ano inteirinho, sem deixar nenhum rastro de onde estava ou do que estava fazendo. Abdicou de redes sociais, aparições públicas e tudo mais.

Os fãs claramente já se encontravam em surto coletivo, até que Tiago surgiu em maio deste ano com um álbum prontinho pra gente, chamado Reconstrução.

Assim como o disco Troco Likes, Reconstrução também aborda temas da sociedade moderna, como a relação das pessoas com a internet, e conta com diferentes perspectivas.

Capa do álbum Reconstrução de Tiago Iorc
Capa do álbum Reconstrução / Créditos: Divulgação

A música que mais chamou a atenção do público no disco novo foi Desconstrução, nome que conversa muito com o título do álbum e fala sobre a relação de uma garota com as redes sociais.

A faixa é incrível e merece uma análise mais de perto, portanto, hoje vamos falar dela, estrofe por estrofe, para que você entenda o que Tiago quis dizer com essa canção.

Confira a seguir a análise da música Desconstrução!

Análise da música Desconstrução, de Tiago Iorc

Para contextualizar rapidamente, Desconstrução é a faixa que abre o quinto disco de estúdio do cantor e nos conta a história de uma moça que está insatisfeita com a vida e consigo mesma. Como consequência, ela mergulha no vício das redes sociais.

Um detalhe interessante sobre essa música é que ela faz referência à clássica Construção, de Chico Buarque, que inclusive tem até análise aqui no blog

Desconstrução é uma canção composta por quatro estrofes de dez versos cada uma, e segue, basicamente, a mesma estrutura de rimas durante toda sua execução.

Primeira estrofe

Quando se viu pela primeira vez
Na tela escura de seu celular

Já no início da música, podemos perceber que a menina, personagem que protagoniza a canção, encontrou certo tipo de refúgio em seu celular.

Saiu de cena pra poder entrar
E aliviar a sua timidez
Vestiu um ego que não satisfez
Dramatizou o vil da rotina
Como fosse dádiva divina

Na vida real ela é uma pessoa tímida, mas através das redes sociais ela consegue criar uma nova persona para si, uma espécie de nova personalidade para assumir virtualmente.

A partir disso, a menina parece mergulhar de cabeça para viver o mundo através das redes sociais, negando sua própria identidade e vestindo um ego que não satisfez.

Podemos associar os versos Dramatizou o vil da rotina/ Como fosse dádiva divina a um comportamento muito comum nas redes sociais e que foi reproduzido pela própria menina: as pessoas compartilham seu cotidiano desinteressante de forma a trazer algum tipo de importância para ele, com o intuito de obter mais audiência e mais atenção online.

Queria só um pouco de atenção
Mas encontrou a própria solidão
Ela era só uma menina

Esse cotidiano muitas vezes é retratado de forma forçada ou enganosa pelos usuários, para tentar fazer parecer que suas vidas são mais emocionantes.

O resultado disso, como Tiago bem nos conta, é que a menina não se sente mais notada nem querida, e essa atenção que ela tanto quer traz ainda mais solidão.

Essa estrofe também chama a atenção para um ponto interessante: essa falsa impressão de que estar nas redes sociais nos coloca próximos a várias pessoas, sendo que no fundo, todo mundo está cada vez mais solitário. Cada um por si atrás das telas dos celulares, sedentos por um pouco de atenção vinda da exposição de um vida irreal online.

Segunda estrofe

Abrir os olhos não lhe satisfez
Entrou no escuro de seu celular
Correu pro espelho pra se maquiar
Pintou de dor a sua palidez
E confiou sua primeira vez
No rastro de um pai que não via
Nem a própria mãe compreendia
No passatempo de prazeres vãos
Viu toda a graça escapar das mãos
E voltou pra casa tão vazia

Nessa segunda estrofe podemos perceber que a tentativa de fuga na internet ainda não trazia satisfação suficiente, e, por isso, ela quis buscar por mais. Essa parte também mostra que a relação dela com os pais parece ser bem distante, o que agrava essa sensação de solidão.

O pai ausente provavelmente não buscava um diálogo com sua filha e a mãe também não entendia seus passatempos na internet. Dessa forma, vemos mais uma motivação para a menina ter ido buscar conforto através da vida online.

Terceira estrofe

Amanheceu tão logo se desfez
Se abriu nos olhos de um celular
Aliviou a tela ao entrar
Tirou de cena toda a timidez
Alimentou as redes de nudez
Fantasiou o brio da rotina
Fez de sua pele sua sina

Aqui vemos que ela continua infeliz, mas ainda segue com o celular muito presente em sua vida.

Assumindo cada vez mais a persona desinibida que nada tem a ver com sua timidez da vida real, ela passa a não apenas mostrar sua rotina como também a mostrar seu corpo, buscando ainda mais ser notada e talvez receber um pouco de afeto.

Se estilhaçou em cacos virtuais
Nas aparências todos tão iguais
Singularidades em ruína

E aí ela se estilhaçou em cacos virtuais, pois novamente o reconforto e o carinho que ela esperava não vieram.

Essa tentativa de reprodução dos padrões que fazem sucesso nas redes sociais a fim de ganhar seguidores, likes e aplausos, no geral, acaba arruinando a singularidade dos indivíduos, e, por isso, as pessoas parecem tão iguais nas redes, como pontua Tiago.

Quarta estrofe

Entrou no escuro de sua palidez
Estilhaçou seu corpo celular

No início da quarta e última estrofe, percebemos que a personagem se afundou ainda mais na tristeza e não sabia o que fazer.

No segundo verso, inclusive, é possível notar um duplo sentido na palavra celular, que pode se referir tanto ao aparelho telefônico quanto às células do corpo.

Saiu de cena pra se aliviar
Vestiu o drama uma última vez
Se liquidou em sua liquidez
Viralizou no cio da ruína
Ela era só uma menina

Todo esse conjunto de versos sugere que, por tanta dor que estava sentindo, a menina acabou por tirar sua própria vida, sem conseguir enxergar outra solução para “se aliviar”.

A liquidez citada acima certamente se refere à liquidez das relações na modernidade, que são pouco sólidas e bastante superficiais, como diria o famoso sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman, que fala muito sobre a era da internet.

Ninguém notou a sua depressão
Seguiu o bando a deslizar a mão
Para assegurar uma curtida

No final das contas, o ponto principal é que ninguém havia notado a depressão da menina. A imagem que ela criou não condizia com sua realidade e ninguém percebeu que, na verdade, ela estava sofrendo.

As redes, que no início representavam uma fuga para a personagem, acabaram intensificando a sua solidão e a sua tristeza.

O significado de Desconstrução

Intensa, né? A intenção de Tiago com essa música não parece ser de culpar as redes sociais, mas sim destacar a importância da conversa, de se prestar mais atenção nas pessoas ao seu redor.

Vemos que a canção vai crescendo a cada estrofe. Os versos são tão impactantes e envolventes que a gente começa até a sentir a angústia da personagem.

Desconstrução, resumidamente, expõe uma parte da dinâmica atual das redes sociais e como ela pode causar essa falsa sensação de estar rodeadas de pessoas, de que as vidas são perfeitas ali e de que você pode criar um personagem para se vestir e viver lá dentro.

Além disso, mostra que tipos de consequências ruins isso pode trazer. É uma música pesada quando analisada assim, porém necessária.

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