Olhos Coloridos, de Sandra de Sá: história de luta e força

Conheça a história de Olhos Coloridos, de Sandra de Sá, que envolve um episódio de racismo sofrido pelo compositor.

Analisando letras · Por Rafaela Damasceno

18 de Abril de 2023, às 12:00


Uma das músicas brasileiras mais famosas, Olhos Coloridos, de Sandra de Sá, tem uma história que muita gente não conhece. E ela vai muito além do ritmo e da letra desse grande sucesso.

Lançada em 1982, a canção foi composta por Macau. O artista conta que, na década de 1970, sofreu um episódio de racismo, o que o inspirou a escrever os icônicos versos: os meus olhos coloridos me fazem refletir

Sandra de Sá, intérprete de Olhos Coloridos
Créditos: Divulgação

Conhecida também como “Sarará crioulo”, Olhos Coloridos é uma música com crítica social forte e uma verdadeira celebração do orgulho negro. 

Por isso, vale a pena conhecer a história de Olhos Coloridos e conferir a análise desse grande hit de Sandra de Sá!

Olhos Coloridos, de Sandra de Sá: a história que deu origem à música

Em 2022, Olhos Coloridos completou 40 anos de lançamento. Na época em que foi composta, Macau nem imaginava que ela se tornaria símbolo da luta contra o racismo e um verdadeiro marco da negritude, sempre lembrado no Dia da Consciência Negra.

Chegou a hora de descobrir a história por trás desse grande sucesso da carreira de Sandra de Sá.

Quem é o autor da música Olhos Coloridos?

Osvaldo Rui da Costa, nome verdadeiro do cantor e compositor Macau, é o autor da música Olhos Coloridos

Ele era morador da Cruzada São Sebastião, na zona sul do Rio de Janeiro, na década de 1970. Assim como ele, muitos habitantes do local viviam na Favela da Praia do Pinto, até que um incêndio destruiu a região, em 1969.

A história real que inspirou Olhos Coloridos

Macau, que na época já trabalhava com o meio musical, foi a um evento escolar realizado pelo Exército no Estádio de Remo da Lagoa. 

Ele estava acompanhado de seu amigo Jamil, que também era negro. Ambos vestiam roupas simples e ostentavam um cabelo black e estavam se divertindo, observando as crianças brincarem na roda gigante. 

Macau, autor de Olhos Coloridos
Créditos: Divulgação

No começo da tarde, eles foram abordados por policiais e convidados para passar por uma averiguação

A princípio, Macau se recusou a acompanhar os policiais, alegando que não estava fazendo nada de errado. Um policial então disse que, se ele se negasse, seria levado à força.

Ofensas de um sargento “sarará crioulo”

Na coordenação do evento, os amigos foram conduzidos a uma sala e sofreram humilhações de um sargento. De acordo com Macau, ele chegou a criticar a sua roupa, o seu cabelo e o local onde morava, dizendo que lá só vivia bandido.

Então Macau esclareceu que não havia criminosos na Cruzada São Sebastião e também se defendeu, reafirmando que não tinha feito nada de errado e que não havia problema com sua roupa ou seu cabelo. 

Foi aí que Macau disse a fala que geraria sua prisão e também seria inspiração para a letra de Olhos Coloridos: Eu sou negro e você também é, você é sarará crioulo, o sangue que corre nas minhas veias é o mesmo que o seu, então somos da mesma origem e você é sarará…

O sargento ficou furioso, agrediu fisicamente Macau e ordenou que ele fosse preso. Nos fundos de um camburão, rodou por toda a cidade, recolhendo outros suspeitos. Ao fim do trajeto, todos foram colocados em uma cela. 

O fim do pesadelo

Macau ficou preso até a madrugada, quando finalmente foi solto, com a ajuda do padre Bruno Trombeta, da Pastoral Penal. O padre queria levá-lo para casa, mas Macau não quis. Ele preferiu ir para o mar e soltar toda a raiva e a revolta que estava sentindo. 

Na praia do Leblon, ele se sentou na areia e ficou refletindo, conversando com Deus e consigo mesmo. Foi aí que a letra de Olhos Coloridos surgiu em sua mente. A composição acabou dando vazão à raiva que Macau estava sentindo e foi a forma que ele encontrou de lidar com tudo as suas emoções.

Em seguida, ele correu para casa, pegou o violão e começou a criar Olhos Coloridos. Anos mais tarde, em 1974, Macau gravou a canção em uma fita cassete. 

A gravação de Sandra de Sá 

Desde 1974, a primeira versão de Olhos Coloridos ficou esquecida no fundo da gaveta. Até que um produtor a resgatou e indicou que Sandra de Sá a gravasse. 

O lançamento na voz da cantora aconteceu em 1982 e fez com que essa fosse uma das canções mais conhecidas da música brasileira,até hoje reconhecida como um hino da luta pela identidade negra no Brasil. 

A importância de Olhos Coloridos para a música brasileira

Apesar de ter sido lançada há 40 anos, Olhos Coloridos permanece viva entre os brasileiros. E, se você prestar atenção na letra, vai perceber que ainda continua bastante atual.

Afinal, além de ser uma bandeira contra o racismo, a canção também é uma celebração à identidade negra e ao estilo afro. Mais do que isso, é ainda uma letra que exalta a mestiçagem do povo brasileiro. 

É exatamente por transmitir essa mensagem forte e significativa que Olhos Coloridos funciona tão bem nos mais diversos contextos, seja de luta, seja de festa. 

Análise das estrofes de Olhos Coloridos

Agora que você já conhece a história por trás de Olhos Coloridos, de Sandra de Sá, chegou a hora de analisarmos os seus principais versos. 

Os meus olhos coloridos

Me fazem refletir

Eu estou sempre na minha

E não posso mais fugir

Assim como a experiência vivida por Macau, muitos negros relatam que estão sempre com medo de serem considerados pessoas suspeitas

Por esse motivo, acabam adotando uma postura “sempre na minha”, ou seja, sempre mais quieta, sem incomodar ninguém, com medo de despertar qualquer suspeita. 

Meu cabelo enrolado

Todos querem imitar

Eles estão baratinados

Também querem enrolar

Apesar de o cabelo enrolado ser considerado bonito e às vezes até ser imitado por muitas pessoas de cabelo liso, quando eles são ostentados pelos negros, essa visão não é tão positiva. 

Essa realidade só nos mostra o quanto o racismo é um problema estrutural e enraizado no Brasil. Não é uma questão de gosto ou de beleza, mas de preconceito racial. 

Você ri da minha roupa

Você ri do meu cabelo

Você ri da minha pele

Você ri do meu sorriso

Esta estrofe descreve bem o que Macau viveu quando foi interrogado e humilhado por um sargento nos anos 70. Na ocasião, ele criticou a sua roupa, o seu cabelo, a sua pele e o seu sorriso, elementos que constituem a sua identidade negra. 

A verdade é que você

Tem sangue crioulo

Tem cabelo duro

Sarará crioulo

O que muita gente não sabe sobre a história da prisão de Macau é que o sargento que o prendeu também era negro. Por isso, o compositor ficou ainda mais revoltado. Afinal, alguém que era da mesma raça que ele o estava ofendendo e queria vê-lo preso. 

Nesse trecho, temos também um dos versos mais famosos de Olhos Coloridos, que muita gente acha, inclusive, que é o título da música. E a expressão sarará crioulo acabou se tornando um verdadeiro “grito de guerra” pela luta dos direitos da negritude. 

Uma prova de que as experiências traumáticas e de repressão, apesar de extremamente dolorosas, podem se transformar em força para a comunidade negra lutar pelo reconhecimento dos seus direitos e pela liberdade de simplesmente existir.

Músicas que seriam acusadas de racismo hoje em dia

A história de Olhos Coloridos, de Sandra de Sá, tem tudo a ver com a luta pelo reconhecimento da cultura e da identidade dos negros em nosso país. 

E, por falar em luta contra o racismo, a gente sabe que muitas músicas já foram bastante racistas, principalmente no passado. Pensando nisso, confira a nossa seleção com as principais canções que seriam acusadas de racismo nos dias de hoje

Músicas racismo

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