Cambalache

Crítica social e ironia em "Cambalache" de Caetano Veloso

Em "Cambalache", Caetano Veloso utiliza a ironia para destacar a perda de valores e critérios éticos na sociedade. A letra faz uma mistura intencional de figuras históricas e culturais de diferentes contextos e moralidades, como em “Toscanini, Ringo Starr y Napoleón” e “John Lennon y San Martín”. Essa equiparação serve para denunciar como, no século XX, todos parecem ter o mesmo valor, independentemente de mérito ou caráter. O impacto da canção se intensifica quando Caetano a grava durante a repressão militar no Brasil, trazendo para o contexto brasileiro a crítica originalmente feita por Discépolo à corrupção e decadência moral na Argentina.

A música expõe um cenário em que “es lo mismo ser derecho que traidor” (é o mesmo ser honesto ou traidor) e “los inmorales nos han iguala'o” (os imorais nos igualaram), mostrando uma sociedade onde as distinções entre certo e errado se apagam. A metáfora “vivimos revolcaos en un merengue y en el mismo lodo todos manoseaos” (vivemos revirados numa bagunça e todos sujos na mesma lama) reforça a ideia de confusão moral e corrupção generalizada. O refrão “el que no llora no mama y el que no afana es un Gil” (quem não chora não mama e quem não rouba é um bobo) resume a lógica do oportunismo, em que só se dá bem quem reclama ou trapaceia. Ao interpretar "Cambalache", Caetano Veloso não só homenageia o tango argentino, mas também faz uma crítica contundente à realidade brasileira dos anos 1960, mostrando como a música pode atravessar fronteiras e continuar relevante ao tratar de temas universais como injustiça e desencanto.