O Mito

Desejo e ironia em "O Mito" de Carlos Drummond de Andrade

Em "O Mito", Carlos Drummond de Andrade explora a idealização amorosa por meio da figura de Fulana, um nome genérico que representa tanto uma mulher específica quanto qualquer ideal inalcançável. A escolha desse nome reforça o caráter universal do desejo frustrado, mostrando que Fulana pode ser qualquer pessoa ou até mesmo um sonho impossível. Nos versos “Sequer conheço Fulana / Vejo Fulana tão curto / Fulana jamais me vê / Mas como eu amo Fulana”, Drummond evidencia como o amor nasce da ausência e da projeção, não do contato real, misturando ironia e melancolia para destacar a distância entre o desejo e a realidade.

O poema também faz uma crítica social ao mostrar Fulana como alguém de alta posição: “dama de alta fidúcia / Tem latifúndios, iates / Sustenta cinco mil pobres / Menos eu...”, ressaltando a barreira de classe e a desconexão afetiva. Drummond ironiza a postura do apaixonado, que se alimenta de referências literárias e de uma visão distorcida da mulher, reconhecendo a artificialidade dessa idealização. No final, ao dizer “E digo a Fulana: Amiga / Afinal nos compreendemos / Já não sofro, já não brilhas / Mas somos a mesma coisa”, o poeta sugere que só é possível uma verdadeira aproximação quando se abandona o mito e se aceita a humanidade do outro. Assim, "O Mito" é uma sátira à paixão platônica e uma crítica à tendência de transformar pessoas em símbolos inalcançáveis, propondo um olhar mais realista e humano sobre o amor.