exibições de letras 1.092

Negrinho do Pastoreio

Jaime C. Braum

Letra

    Quando de noite transito
    No meu gauderiar andejo,
    Me paleteia o desejo
    De encontrar-te, duende amigo,
    Pois sei que trazes contigo,
    Negrinho esmirrado e feio,
    O Rio Grande em pastoreio
    No sinuelo do passado,
    E que ali, no descampado
    Que a luz da vela clareia,
    O teu vulto esguio, bombeia,
    Como Deus de rito estranho,
    A gauchada de antanho
    Que se perdeu na peleia!

    Juntos iremos lembrar
    Aquele maula estancieiro,
    Que ao botar num formigueiro
    O teu corpo de criança,
    Cravou bem fundo uma lança
    No próprio ser do rincão;
    Trazer a recordação,
    Aquela velha tropilha,
    Que do topo da coxilha
    Esparramou-se a lo léu,
    Para juntar-se no céu
    Contigo e Nossa Senhora,
    E hoje cruza, noite a fora,
    No meio dum fogaréu!

    Hás de contar-me o que viste
    Na tua ronda infinita,
    Desde a povoação jesuíta
    Ao reduto Guaiacurú,
    Quando Sepé Tiaraju
    Morrendo de lança em punho,
    Dava um guasca testemunho
    Da fibra continentina,
    E quando, nesta campina,
    O velho pendão farrapo
    Cruzava altaneiro e guapo
    Como uma benção divina!

    Dizem que trazes por diante
    Dos fletes que pastorejas,
    Assombrações malfazejas
    Das campanhas do JARAU,
    Repontas o fogo mau,
    Do andarengo BOITATÁ,
    E vagando, ao Deus dará,
    Nessa ronda de amargura,
    Vives na eterna procura,
    Pelas canchas e rodeios,
    De prendas, trastes e arreios
    Extraviados na planura!

    Tu conheces os segredos
    De ranchos e cemitérios
    Onde paisanos gaudérios
    Assinalaram passagem,
    Revives cada paragem
    Numa evocação singela,
    Por entre tocos de vela
    De humildes promessas pagas
    Onde o S das adagas
    Fazia o papel de cruz, -
    E onde num raio de luz,
    Brilhava sempre a velinha,
    Invocando tu'a madrinha
    A Santa Mãe de Jesus!

    Presenciaste o velho drama
    Do gaúcho em formação,
    Quando este imenso rincão
    Era um selvagem deserto,
    Tudo céu e campo aberto
    E onde Deus Nosso Senhor
    Pós o guasca peleador,
    De lança e de boleadeira
    E mandou fazer fronteira
    Onde quisesse, a lo largo,
    Dando o pingo, o mate-amargo
    E a china pra companheira!

    Por tudo isso é que sofro
    Quando altas horas despontas
    Entre os fletes que repontas
    Num barbaresco tropel,
    Lembrando o dono cruel
    Que num gesto asselvajado
    Te fez cumprir este fado
    De andar penando no ermo,
    Esperando sempre o termo,
    Que tarda tanto em chegar,
    E onde haveremos de estar,
    Enquadrilhados a grito
    Diante do Deus infinito
    Que vai por fim nos julgar!

    E assim como tu, Negrinho,
    Que um dia foste espancado
    E por fim martirizado
    Num formigueiro do pago,
    O meu peito de índio vago
    Também sofreu igual sorte,
    E hoje vagueia, sem norte,
    Sem fugir, por mais que ande,
    Deste formigueiro grande
    Onde costumes malditos
    Tentam matar aos pouquitos
    As tradições do RIO GRANDE!


    Comentários

    Envie dúvidas, explicações e curiosidades sobre a letra

    0 / 500

    Faça parte  dessa comunidade 

    Tire dúvidas sobre idiomas, interaja com outros fãs de Jaime C. Braum e vá além da letra da música.

    Conheça o Letras Academy

    Enviar para a central de dúvidas?

    Dúvidas enviadas podem receber respostas de professores e alunos da plataforma.

    Fixe este conteúdo com a aula:

    0 / 500

    Opções de seleção