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LetraSignificado

    Seu nome nunca se soube
    Nem ele mesmo sabia
    Numa noite muito fria
    Deu ô de casa na estância
    Vinha de longa distância
    Dos fundos da noite grande
    Mas nos galpões do rio grande
    Isso tem pouca importância

    Ninguém lhe perguntou nome
    Nem lugar de procedência
    Que vinha de outra querência
    Se via no sufragante
    Um buenas noites vibrante
    De campeira fidalguia
    E a galponeira franquia
    Apeie e chegue pra diante!

    O chapéu com barbicacho
    Negra e comprida melena
    Pele queimada, morena
    Sem luxos na vestimenta
    Bombacha de brim cinzenta
    Adaga e faca à cintura
    E um olhar misto ternura
    Com lampejos de tormenta

    Mi nombre es hermano, hermanos
    Disse enquanto chimarreava
    À peonada que escutava
    Mui atenta por sinal
    E no mesmo tom casual
    Palmeando a cuia de mate
    Afirmou como arremate
    Soy de la banda oriental!

    Desde essa noite o hermano
    Ficou na estância ajudando
    Que o índio que anda cruzando
    Não se ajusta como peão
    Vai ficando no galpão
    A velha casa reiúna
    Onde os párias sem fortuna
    Buscam calor de fogão

    Sempre alegre e prestativo
    Naquele meio dialeto
    Era um gaúcho completo
    De ação pronta e destorcida
    Demonstrando em qualquer lida
    Que era desses campechanos
    Que já nasceram vaqueanos
    Dos mil atalhos da vida

    Depois que se enforquilhava
    No seu basto castelhano
    Nem o bagual mais tirano
    Sacava o índio dali
    Aos gritos de ibibibi
    Ia surrando cruzado
    Pulando mais que dourado
    Nas enchentes do Ibicuí!

    Cantava uma flor de truco
    À velha moda gaúcha
    E num jardeio qüe pucha
    Sempre saía primeiro
    Corredor mui tarimbeiro
    Desses com sete sentidos
    Que até parecem nascidos
    Nas cruzes do parelheiro

    Laçava e como laçava
    De a pé como de a cavalo
    Tanto fazia no pealo
    Ser sobrelombo ou cucharra
    Companheiro numa farra
    Dos que não refugam nada
    E que mão aveludada
    Pra pontear uma guitarra

    Quando cantava se via
    Naquele olhar machucado
    O pensamento empacado
    Nalguma reminiscência
    Talvez a velha querência
    Longe na barra pampeana
    Talvez alguma paisana
    Desgarronada na ausência

    Numa milonga macia
    Numa cifra num estilo
    Nunca se viu como aquilo
    Tamanha fidelidade
    Ora olfateando saudade
    Numa nostalgia langue
    Ora farejando sangue
    Num berro de liberdade

    Quando os dedos se perdiam
    Entre a quarta e a bordona
    Pareciam vir à tona
    Barbarescsa ressonâncias
    Clarins furando distâncias
    Num último chamamento
    E laços cortando ventos
    No amanhecer das estâncias

    Depois amaciava o tranco
    Com patas aveludadas
    E evocava madrugadas
    Com luas e meiasluas
    Pôrdesóis nas pampas nuas
    Com romances proibidos
    Nos pelegos estendidos
    Para divãs das chiruas!

    Sábado encilhava o baio
    Rumbeando aos ranchos da estrada
    Beber ternura comprada
    Onde os párias vão beber
    Pois nesse meio viver
    O índio sem parador
    Nunca encontra o bebedor
    Da sanga do bem querer

    Foi num domingo de tarde
    Ao retornar de uma andança
    A noite caía mansa
    E o paisano vinha sério
    O pensamento gaudério
    Perdido longe distante
    Sem saber que, logo adiante
    Ia enfrentar o mistério

    Quando embicava no passo
    Que faz fundo na invernada
    Já na boca da picada
    O baio parouse um gato
    Bufou com espalhafato
    Como prevendo tragédia
    O índio bancou na rédea
    Já meio dentro do mato

    Ouviu um morre bandido
    Dos covardes, de emboscada
    Já na primeira trovoada
    Planchouse o baio cabano
    Baleado embora, o hermano
    Ao se apartar do lombilho
    Vinha puxando gatilho
    Dum trinta e oito orelhano

    Seis tiros dados no rumo
    E um alarido de morte
    Depois, a sangueira forte
    E um frio que vinha do miolo
    Mas o índio era crioulo
    Teve um sorriso esquisito
    Não ia morrer solito
    Pra o taura, é sempre um consolo

    E ajoelhado, atrás do baio
    Parceiro de mil jornadas
    Já de pupilas vidradas
    Pela morte repentina
    Passoulhe a mão pela crina
    Como quem nana criança
    E um arrepio de vingança
    Escureceulhe a retina

    Com três ou quatro balaços
    Bordando a pele morena
    Nem ouvia a cantinela
    E o fogonear dos balaços
    Meio de arrasto c'os braços
    Rumbeou para o tiroteio
    Galo fino no careio
    Coloreando de puaços

    Era um gaúcho oriental
    E um oriental não recua
    Honra a tradição charrua
    E nem a morte o abala
    No próprio sangue resvala
    Mas segue no mesmo tranco
    Agora, de ferrobranco
    Porque jã não tem mais bala

    Sente que a vista falta
    E uma bárbara dormência
    Mas restalhe uma incumbência
    Nessa noite de domingo
    Se entrevera e no respingo
    Mete a adaga em carne humana
    Gritando em voz insana
    Esta les doy por mi pingo!

    Com vinte e tantos balaços
    Escoriações e facadas
    As roupas esburacadas
    Já cego e peleando aos gritos
    Como a confirmar os gritos
    Dalgum confúncio campeiro
    Covarde morre ligeiro
    O taura, morre aos pouquitos

    Três mortos mais o hermano
    E o baio morto encilhado
    Não foi identificado
    Nem um só daquele trio
    O restante, se sumiu
    Na imensidade campeira
    Deixando apenas sangüeira
    E o choro do vento frio

    Nunca se soube o motivo
    Daquela barbaridade
    Nem a própria autoridade
    Nem gente da vizinhança
    Foi com certeza, vingança
    Feita por gente mandada
    Restam na velha picada
    Quatro cruzes por lembrança

    Seus nomes nunca se soube
    Três cruzes sem inscrição
    Defronte noutro munchão
    Uma cruz tem nome: Hermano
    Descansa nela o paisano
    Que usava melena preta
    Um poncho azul de baeta
    Montava um baio cabano

    E lá está a cruz de pau ferro
    Palanqueando o castelhano
    Último adeus do hermano
    Na tarde triste e cinzenta
    Ao ver a cruz representa
    Que a gente vê na lonjura
    Seu olhar, misto ternura
    Com lampejos de tormenta


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