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Tio Anastácio

Joca Martins

Letra

    Entre a ponte e o lajeado, na venda do Bonifácio
    Conheci o Tio Anastácio, negro velho já tordilho
    Diz que mui quebra em potrilho, hoje pobre e despilchado
    De tirador remendado num petiço doradilho

    Quem visse o Tio Anastácio num bolicho de campanha
    Golpeando um trago de canha oitavado no balcão
    Tinha bem logo a impressão que aquele mulato sério
    Era o Rio Grande gaudério fugindo da evolução

    A tropilha dos invernos tinha lhe dado uma estafa
    E aquela meia garrafa dentro do cano da bota
    Contava a história remota do negro velho curtido
    Que os anos tinham vencido sem diminuir na derrota

    Mulato criado guaxo nos tempos da escravatura
    Aquela estranha figura na vida passara tudo
    Ginetaço macanudo já desde o primeiro berro
    Saía trançando o ferro no potro mais colmilhudo

    Carneva uma rês num upa com toda a calma e perícia
    Reservado e sem malícia negro de toda a confiança
    Benquisto na vizinhança, dava gosto num rodeio
    De pingo alçado no freio pealando de toda a trança


    Tinha cruzado as fronteiras da Argentina e do Uruguai
    Andara no Paraguai pealando valentemente
    E voltara humildemente como tantos índios tacos
    Que foram vingar nos chacos a honra da nossa gente

    Caboclo de qualidade que não corpeava uma ajuda
    Na encrenca mais peleaguda sem pre conservava o tino
    Garrucha boca de sino carregada com amor
    E um facão mais cortador do que aspa de boi brasino

    Porém depois que os janeiros foram ficando à distância
    Andou de estância em estância e foi vivendo de changa
    Repontando bois de canga castrando com muita sorte
    E em tempos de seca forte, arrastando água da sanga

    Ficou sendo um desses índios que se encontra nos galpões
    E ao derredor dos fogões fala aos moços com paciência
    Do que aprendeu na existência ao longo dos corredores
    Alegrias, dissabores, curtidos pela existência

    Tio Anastácio pra aqui, Tio Anastácio pra lá
    Mandado mesmo que piá por aquela redondeza
    Nos remendos da pobreza entrava e passava inverno
    Como um tronco só no cerno pelegueando a natureza

    Por isso é que nos bolichos só se alegrava bebendo
    Como se cada remendo da velha roupa gaudéria
    Fosse uma sangria séria por onde o sangue do pago
    Se esvaisse trago a trago por ver tamanha miséria

    E até parece mentira negro velho de valor
    Morreste no corredor como um matungo sem dono
    Não tendo neste abandono ao menos um companheiro
    Que te estendesse o baixeiro para o derradeiro sono

    E agora que estás vivendo na estância grande do céu
    Engranxando algum sovéu pra o patrão velho buenacho
    Não te esquece aqui debaixo onde "a lo largo" inda existe
    Muito xirú velho triste, como tu criado guaxo!


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