Eu E Minha Ex

“Eu E Minha Ex”: Ciúme, Porto Alegre e amizade pendente

A conversa de bar que abre “Eu E Minha Ex” já expõe um ciúme quieto. Quando ele admite: “me incomodava a intimidade da ex”, surge a ferida central: perder a influência sobre os gostos e rotinas dela — “novas ideias, discos, filmes” — dói mais do que o fim. A canção nasce do namoro conturbado de Júpiter Maçã com Fabi, detalhe que dá corpo às cenas urbanas e íntimas: o botequim, os papos sobre “novas amizades” e a tentativa real de manter o vínculo. Os arranjos orquestrais, com toques tropicalistas e ecos dos anos 60, suavizam o atrito e criam um clima quase cinematográfico, como se a lembrança ganhasse cores mais gentis. No refrão, a contradição aparece sem filtro: “queremos amizade, mas acho que eu não superei”.

A sequência pela cidade — “sob o mesmo guarda-chuva / pelas alamedas de Porto Alegre / do mercadão até o Bom Fim” — amplia o quadro. É um passeio típico do inverno porto-alegrense, o mesmo ambiente em que eles se conheceram no Garagem Hermética; a proximidade sob a chuva reativa o passado. O desconforto vira leve ciúme: ela segue em frente, ele ainda está preso ao antes. O verso “talvez um dia sejamos um só outra vez / em outro planeta, dimensão” funciona como fantasia de reconciliação e também como reconhecimento de que só “em outra circunstância” seria possível — um jeito direto de admitir que, agora, não dá. Esse misto de desencaixe e doçura explica por que a faixa segue ressoando, a ponto de ganhar releitura por Rogério Skylab anos depois: honestidade desarmada de quem tenta ser amigo, mas ainda não se desapegou.