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O Sertão em Conto In Verso

Laécio Beethoven

Letra

    O SERTÃO EM CONTO IN VERSO

    Produzido na Oficina do Tal, sob orientação da professora Maria Emilia
    Autoria: Laécio Beethoven e Meia Dúzia dos Seis
    (Laécio/Cristina/Juliana/Ana Cristina/Mário/Antonio)

    Meu pai se chama Zeca. Não lê e nem escreve. Chamam-no de analfabeto. Mora desde que nasceu a setenta anos, na roça. Por não saber dirigir e nem andar de bicicleta, alegremente segue quase todos os dias, no lombo de um jegue ou a pé, duas léguas até Piritiba, sede do município, onde ele passa alguns poucos dias, com certa alegria estampada no rosto, mas, garanto uma alegria menor do que a que sente nos matos, em contato com as cercas, as moitas de vilão, os bichos que cria presos e com os bichos soltos.
    Pai vê nas nuvens formas e nos troncos secos de madeira velha, suas histórias imaginadas e sonhadas como se ele fosse um doutor das letras.

    ACHO QUE BOM SERIA
    SE A CADA RISO FARTO
    O BICO DO PICA-PAU
    ESCULPISSE NO PAU-D'ARCO
    UMA PALAVRA BONITA.
    E NA TÁBUA FOSSE ESCRITA
    COM A LEVEZA DE UM BARCO.

    Pai adora o sertão. Brinca sempre e não perde o bom humor, mesmo quando está chamando cobra para os pés, digo, capinando.
    Das tantas alegrias do velho, nenhuma é maior que caçar. Caçar tatu, raposa que come os pintinhos do terreiro e gato mamoninha que rouba frango do poleiro e, principalmente, os pobres veados (coitadinhos) para fazer a mesa farta e criar os nove filhos, como sempre fez meu avô, pai dele, com os seus.
    Ele tem uma espingarda de socar de cano longo e orgulhosamente, armazena os pés das vítimas no telhado da dispensa, como troféus, ano a ano.

    UMA PALAVRA ALEGRE
    SURGISSE NO MEU CORDEL
    A CADA CHORO INFANTIL
    A CADA NUVEM DO CÉU
    A CADA MINHA BESTEIRA
    UMA MODA ESTRANGEIRA
    SUMISSE NUM CARROSSEL

    Certo dia veio cedinho à cidade chamar um peão amigo seu e também caçador para uma perseguição a um "come-rama" que passeou na plantação de milho. Chamou o cachorro "chulinho" e a cadela piaba.
    Pela necessidade de sobrevivência que vivenciou desde a infância, Zeca não sentia remorso algum em caçar, como ninguém sente em pescar, desde que fosse para matar a própria fome.
    Uma prenda desse matuto era a riqueza da sonoridade que utilizava durante a narração de suas aventuras, para ilustrar a situação.


    QUE UM LÁPIS SÓ PINTASSE
    AS LENDAS DO MEU ROÇADO
    COM AS PENAS DESENHASSE
    O CANTO MAIS AFINADO
    DO CANARINHO DA TERRA
    E COM GARRANCHOS DA SERRA
    RABISCASSE O POVOADO

    __ Romaro! Um veado travessô da roça de mandhoca pra dento da mata. Se nóis tucaiá, nóis pega.
    Com uma corrente na mão, chamava os dois vira latas.
    __ Chulim! Piaba! Bora! Romaro vai pela vereda que eu cerco o acêro da mata.
    Romário seguia a passos rápidos. "Lepo-lepo-lepo-lepo" era como ele mesmo narrava. Pai gritava:
    __ Chulim! Piaba! Vai! "Shit"! Pega!

    AOS POUCOS EU ESCREVENDO
    SEM USAR LÁPIS NEM MÃO
    AS LETRAS POR SI NASCENDO
    FRUTOS DA IMAGINAÇÃO
    ENTÃO EU TERIA UM CONTO
    COMEÇANDO DESSE PONTO
    UMA DETERMINAÇÃO:

    A trilha sonora do homem do sertão é uma linguagem à parte. Algo impessoal e inesquecível. Jamais esqueço as palavras daquele sertanejo, contanto em voz alta as peripécias inocentes, com gestos e sons próprios.
    __ Chulim deu no faro... queu queu queu queu... Piaba achou a trilha... queu queu queu queu... O vento soprava fuuuuuuu... xiii.... O veado vupo vupo vupo vupo...
    Os paus quebrando na mata tra... tra... Os cachorro queu queu queu queu...

    QUE FALE CLARO DE AMOR
    E AINDA NESTA MADEIRA
    UM QUASE NADA DE DOR
    UM BOCADINHO DE POEIRA
    CONTANDO QUE NÃO ESQUEÇA
    E NESSA TÁBUA APAREÇA
    A VIDA DOS "MEI-DE-FEIRA"

    __ O vento soprava fuuuuuuu... xiii.... O veado vupo vupo vupo vupo...
    Os paus quebrando na mata tra... tra... Os cachorro queu queu queu queu...
    O bicho meteu a cara no aceiro. A cerca de arame fez triimm. Puchei o cachorro da garrucha teco... Chulim queu queu... O veado vupo... Eu pá! Ele bé!


    NAS LINHAS DA CRIAÇÃO
    POR CERTO NÃO ABRO MÃO
    DA AFAMADA INTELIGÊNCIA
    PITADAS DE PACIÊNCIA
    UNS DOIS GOLIM DE CONCIÊNCIA
    E O RESTO TODO O SERTÃO.

    E ANTES QUE EU ME ESQUEÇA
    E NÃO BOTE NA MADEIRA
    QUEBRE CORONHA E CANO
    DESSA MINHA ATIRADEIRA
    ESSE CONTOSINHO DE CAÇA
    ERA SÓ PRA FAZER GRAÇA
    COCHICHOS DA MINHA ESTEIRA.


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