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Meu Verso (Poesia)

Laécio Beethoven

Letra

    Meu Verso

    1
    O meu verso é natural
    Da Chapada Diamantina.
    Vem dos zelos de Mãe Lina
    E das lições de moral.
    Vem das Minas de cristal
    Do calumbé e da pá.
    Da lavanca de cavar
    Do querer e do despojo.
    Vem do bamburrar no bojo
    De cristal a cintilar.
    2
    Vem d'aridez do carrasco
    Da estiagem do agreste
    Do vento que vem do leste
    De graveto no penhasco.
    É tão seco como o casco
    Da cuia de cabaceira.
    Nem palha que faz esteira
    Tem a sua sequidão.
    É seco como o torrão,
    Como cinza em capoeira.
    3
    Tem marcas do desamparo
    E virtude do perdão
    Poder de superação
    De um passado ignaro.
    Vem d'um feliz anteparo
    Com paz, carinho e amor.
    Foi de anjo benfeitor,
    Em formato de mulher,
    Que com sacrifício e fé
    Fez um ninho acolhedor.
    4
    Retrata a fauna e a flora:
    O nado do mergulhão,
    O vôo do azulão
    No despertar da aurora.
    Vem da figueira que chora,
    Do gosto de articum.
    É negro como o anum
    E brabo como tetéu.
    Mandaçaia que faz mel
    De flor de manga comum..
    5
    De essência singular,
    Tem a mistura das cores,
    Dos perfumes e sabores
    Que captou do lugar.
    É doce como araçá
    E rapadura cerenta.
    Tem o ardor da pimenta
    E as cores do jasmim.
    Tem cheiro de bogarim
    E efeito de água-benta.
    6
    Vem da casa de terreiro
    Pintada de tabatinga
    Que tem água de moringa
    E a luz de candeeiro.
    Vem da pimenta-de-cheiro
    Pra tempero de pirão
    Cozinhado em caldeirão
    Ensopado com verdura.
    "De comer" com a mistura
    De arroz com açafrão.
    7
    Vem da observação
    Das nuvens beijando a serra,
    Cheiro de chuva na terra
    E do ronco de trovão.
    Começo de plantação
    De feijão-de-corda e milho.
    Fumo, de corda, em sarilho
    No quintal para secar.
    Do vôo do mangangá
    E do mugir de novilho...
    . 8
    Do doce de campoteira
    E gomo de mexerica
    Água tomada na bica,
    Café de choculateira.
    Cantiga de vó rendeira
    Cochilo com cafuné.
    Avô cheirando rapé
    Com ar despreocupado.
    Menino fotografado
    Com a máquina de tripé.
    9
    Da moça trajando chita
    No festejo de São João.
    Igreja, reza e rojão,
    E bandeirola que agita.
    Do leiloeiro que grita,
    Pedindo oferta melhor.
    Da cachaça e trololó,
    Casamento e batizado.
    Do mastro sendo enfincado
    Com vento trazendo pó.
    10
    Vem das tardes de prazer
    Com bola de mangabeira
    Muito jogo e brincadeira
    Até candeia acender.
    Do ver a lua nascer
    No colo quente da vó.
    Com picada de potó
    Que, de noite, irrita e coça.
    De manhã, na velha roça,
    Plantando feijão no pó.
    11
    Fez inversa trajetória
    Como numa regressão
    Pra trazer da região
    O que ficou na memória.
    Vendedor contando história
    De forma espirituosa
    De meizinha milagrosa
    Pra curar qualquer doença
    Explorando a velha crença
    Levando besta na prosa.
    12
    Traz de feira inspiração
    Mais originalidade:
    Da banca de brevidade
    Com paçoca de pilão.
    Da cigana que lê mão
    Pra tirar qualquer quebranto.
    Meninos em contracanto
    Com tábuas de pirulito
    Mulher rezando bendito
    Vendendo imagem de Santo.
    13
    Trago a minha poesia
    Das Lavras Diamantinas
    Onde o cascalho das minas
    Era de grande valia.
    O interior da Bahia
    Me deu o metro e a rima.
    O resto veio do clima,
    Do sol, da terra e do ar.
    Do constante caminhar
    No garimpo serra acima.
    14
    Ponho no verso o que via
    Lá na Fonte do Pau-Louro
    Nas gramas do quaradouro
    Uma vasta estamparia.
    Da bica a água escorria
    Com mulher enchendo a lata.
    A branca, a preta e a mulata,
    Trançando a mesma rodilha
    Pra andar na velha trilha
    Sempre arrastando a pracata.
    15
    Só vi pé de caroá
    Em terreno pedregoso
    Com raiz de fedegoso
    Minha avó fazia chá.
    O bico do carcará
    Era igual unha-de-gato.
    Vi grassar bredo, no mato,
    Como ervanço e jitirana.
    Qualquer farinha baiana
    Era medida no Prato.
    16
    No brejo, quando menino,
    Brinquei com fogo-pagou
    No Cercado de Doutor,
    Velho Doutor Gasparino.
    Em lamento matutino,
    Uma pomba juriti.
    Na Lagoa, o paturi,
    Vi nadar entre o capim,
    E o bate asas sem fim
    Do pequeno Bem-te-vi.
    17
    Pro meu verso foi achado
    Esse interior baiano.
    Mascate vendendo pano
    Soltando o palavreado.
    Feira de sol empinado
    Onde se vendia puba,
    Tapioca de Imbaúba,
    Carne seca de varal.
    Farinha do Traçadal
    E maniva da Pituba.
    18
    Vem do mais belo cenário:
    Lá da Serra do Carranca,
    Cuja beleza desbanca
    Qualquer um receituário.
    Vem do canto do canário,
    Pintassilvo e zabelê.
    Vem da pega e do sofrê
    Nas flores do mulungu.
    Vem do tempo do umbu,
    Do preá,do saruê.
    19
    Traz ainda a emoção
    Do mágico deslumbramento
    Do girar do cata-vento
    Na casa de Sinhorzão.
    História de assombração
    Em noite de lua cheia.
    Casa de parede-meia
    Com santo no oratório.
    Menino de suspensório,
    Domingo, cavando areia.
    20
    Sai do enredo do sonho
    Do fluir do pensamento.
    É distraído e atento,
    Inteligente e bisonho.
    Possui um poder medonho
    Parece mais deus pagão.
    Não foge de tentação
    Tem forma de Ipupiara.
    Seduz a deusa Iara
    Ecoa pelo sertão.

    Composição: Carlos Araújo / Laécio Beethoven Voz. Essa informação está errada? Nos avise.

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