De Frente Com a Morte

“De Frente Com a Morte”: violência, valor e sobrevivência

Em “De Frente Com a Morte”, Mano Fler transforma a agressão em linguagem e método. O verso “a raiva te ensina a bater / com o dedo indicador” substitui o soco pelo gatilho e pelo ato de apontar, revelando uma ética de sobrevivência, não de heroísmo. A confiança é rara e a traição é regra (“Avisa os traíra daqui ninguém me tira”). A lembrança de ganhar um revólver aos sete anos marca a infância roubada e a vigilância constante (“quem mira atira, mas só mata se precisa”), enquanto a inveja desgasta e a rua embaralha certezas (“O play, rec, pause, stop”). O título do álbum, A Arte de Não Agradar Ninguém, define o tom: relato cru, que assume ter aperfeiçoado o ofício “fazendo muito com pouco”.

A letra costura crítica social e conflito moral. “Justiça não é praticada só por justiceiros” admite códigos próprios num ambiente em que perícia e “os tira” rondam (“Se o cheiro de pólvora no dedo der perícia…”), e origem e lado pesam (“Sou filho de doméstica que fecha com sem terra”). A desigualdade aparece em “Pessoas condenadas… são julgadas rápidas, numa justiça lenta” e quando o valor vira calibre (“Quando o seu valor era uma nove”). O ciclo da violência é reconhecido (“Tudo que nós sofre em violência nós devolve; atirava, assaltava…”), com custo e erro (“Mas não lembrou de triplicar o malote”). O refrão aponta virada por resiliência e autoconsciência: “De frente com a morte, eu vi qual é o meu valor / Apanhando da vida, eu me tornei um lutador!”. A ambivalência permanece em “E quando cê não bate, você se torna o que apanhou”. O “bater com o dedo indicador” soma o dedo que atira e o que acusa, e a referência a “Como Livro de Eli” reforça a sobrevivência num mundo áspero, sugerindo romper o ciclo com clareza de valor e escolha consciente.