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O Grito Das Esquecidas

MC Debrete

Letra

    Muitas já se foram, se perderam
    Outras se mataram em meio ao desespero
    Então as que ficaram fizeram mais um apelo
    Para que não esquecessem das que desapareceram
    Famílias se separam
    Se dividem ao meio
    Resquícios de um passado
    Cruel sim, mas verdadeiro
    Histórias que se passam
    Do morro ao navio negreiro
    Meu peito aberto sangra
    Com dois buracos no meio
    Meu corpo é arrastado pelo asfalto
    Espancado, jogado sem roupa no mato
    Abusada, esfaqueada
    Dentro da minha própria casa
    Lágrimas escorrem
    Queimando como brasa
    Ninguém quis ouvir
    O meu choro, meu lamento
    Desacreditaram
    Ignoraram meu sofrimento
    Já não bastasse por tudo que eu passava
    Ainda vinham me dizer que eu era a culpada

    Mas não vou me calar
    Sei, vou prosseguir
    De cabeça erguida
    Vou lembrar do que eu sofri
    Não podem me parar
    E nem me oprimir
    Represento a voz de muitas
    Que ninguém nunca quis ouvir

    Quantas por aí
    Que vivem sufocadas
    Tantas histórias
    Que nunca foram contadas
    Isso é frequente
    Aconteceu com Dandara
    Nunca me esquecerei
    Katiane, Luana, Cláudia
    Todas as injustiças
    Por minhas irmãs sofridas
    Que causaram mágoas, traumas
    Levaram a alma
    Tiraram a vida
    Nunca serão perdoadas
    Jamais serão esquecidas
    (Jamais serão esquecidas)
    Não é vitimismo
    É a realidade
    Acontece todos os dias
    Em todos os cantos da cidade
    Nas noites e madrugadas
    Pr'aquelas que andam desacompanhadas
    Matando três leões por dia
    Em cada esquina de cada quebrada
    As mães, solteiras
    Pretas, putas
    Macumbeiras, sapatas
    Cabreiras, derrubam fronteiras
    Destroem barreiras
    (Destroem barreiras)
    Por elas que eu não posso me calar
    Sei, vou prosseguir
    De cabeça erguida
    Vou lembrar do que eu sofri
    Não podem me parar
    E nem me oprimir
    Represento a voz de muitas
    Que ninguém nunca quis ouvir

    A luta é diária
    No fio da navalha
    De frente pra morte
    Não existe sorte
    E o tempo nunca para
    Uma mana carbonizada
    Uma alma que foi levada
    Tantas que mesmo depois de mortas
    Ainda julgadas, injustiçadas
    A tristeza estampada no rosto
    Feridas abertas no corpo
    Não saiu no jornal
    Porque já é banal
    Ninguém viu
    Lá na tela da globo
    E as estatísticas
    Falidas, pouco vistas
    Mostram uma verdade
    Dura, conhecida, sinistra
    E se contar lá fora
    Ninguém acredita
    Que uma em cada três pessoas
    Acha que a culpa é da vítima

    E pra esse sistema eu faço o grito das esquecidas
    Com passagem só de ida
    Tentando achar uma saída
    Esperando pra ser ouvida

    Não vou me calar
    Sei, vou prosseguir
    De cabeça erguida
    Vou lembrar do que eu sofri
    Não podem me parar
    E nem me oprimir
    Represento a voz de muitas
    Que ninguém nunca quis ouvir


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