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Carta Nº 2

MC Sid

LetraSignificado

    Meu nome é Carlos Augusto Migliaccio, também
    Conhecido como Migli, apelido que minha mãe me deu
    Como vocês puderam ver, meu ano de 2009 foi horrível
    E eu não tinha como imaginar que 2010 seria pior
    A essa altura eu me cortava há mais ou menos seis meses
    E esse péssimo hábito já havia virado meu melhor amigo

    Na escola nada melhorou, eu continuava sendo maltratado
    E na melhor das hipóteses ignorado
    A única pessoa que me entendia um pouquinho era minha mãe
    Que tava muito ausente em casa devido a uma promoção no trabalho
    Eu poderia contar todos os detalhes da minha vida pra vocês
    Cada lágrima, cada choro, cada desilusão
    Porém irei contar o dia em que minha vida mudou por conta da violência
    O que me levou até aqui, o fundo do poço
    Essa é a carta nº 2

    Na escola eu continuava antissocial
    A maioria dos alunos me tratava mal
    Eu tinha medo de surtar igual um americano
    Comprar um cano e ver todo mundo ser legal
    Pedi pra Deus o amor deles
    Pedi pra Deus o perdão deles
    Pedi pra Deus a morte de alguns deles
    Mas Deus nunca me ouviu
    Porque sempre ouvia eles

    Meu choro tinha gosto de passado ruim
    Meus braços tinham marcas de um presente péssimo
    Meu coração sonhava com um futuro bom
    Pena que minha realidade não chegava perto

    Cheguei em casa da escola depois do meio dia
    Ouvi minha mãe chorar baixinho lá no quarto dela
    Perguntei se tava tudo bem
    Ela raramente se abria, eu não me abria também
    Ela desceu nós almoçou em silêncio
    Sem meu pai em casa, o clima era menos tenso
    Ela tava com energia pesada igual aço
    Percebi que ela tinha hematomas no braço
    Disse que esbarrou na porta do carro
    Com pressa indo pro trabalho
    Que uma pomada resolve
    Disse que tinha dor de cabeça
    Botou aspirina no copo, disse: Ainda bem que dissolve
    Naquela noite após o jantar
    Ouvi meus pais brigando, gritando
    E fiquei assustado
    Barulho de coisa quebrando, porta batendo
    Enquanto eu ainda me cortava no quarto

    Na manhã seguinte a caminho na escola
    Vi que minha mãe tinha um corte na nuca
    Pensei em perguntar o que houve
    Mas ela não me falaria, sempre dava desculpa
    Passei o dia com essa ideia encucada
    Será que meus pais tão bem? Ela tá sempre machucada
    Meu pai tá bebendo mais do que nunca
    Sei que não sou exemplo
    Mas não me parece uma boa estrada

    Nunca vou esquecer esse dia
    2010, sábado, 20 de novembro
    Noite quase sem Lua, muita chuva
    Pode perguntar os detalhes que eu me lembro
    Ouvi meus pais discutindo, meu pai perdendo a cabeça
    Gritando que a culpa era dela, quebrando as coisa da mesa
    Lembro de ouvi o barulho do tapa dele
    Do choro dela
    Da chuva na telha
    E da minha covardia

    Eu queria levantar e parar ele
    Chamar a polícia, chamar um vizinho
    Eu queria ter força pra ajudar minha coroa
    Mas o medo que eu tinha era maior que o heroísmo

    Eu não conseguia nem salvar minha vida
    Como que eu salvaria a dela
    Eu me sentia horroroso
    Talvez no fundo os alunos da sala tava certo
    Eu não passava de um menino medroso

    A cada soluço no choro que eu ouvia
    Eu fazia um novo corte no pulso
    Pensei que se eu puxasse a dor da casa pra minha pele
    Talvez diminuísse a dor que ele causava nela
    Meu sangue escorria junto com a culpa
    Tudo que pensava era mãe me desculpa
    Desculpa por não conseguir te ajudar
    Desculpa por ser um covarde
    Desculpa por não ter coragem

    Naquele momento minha vida perdeu o sentido
    Eu não conseguia ajudar a única pessoa que falava comigo
    Que não me tratava mal, e que me amava
    Eu perdi a conta de quantas vezes
    Eu pensei em sair do quarto de madrugada
    E matar aquele homem que eu chamava de pai
    Mas eu tinha medo
    Medo dele, e mais medo ainda de mim mesmo
    Agora eu entendi o porquê ela tava tão ausente

    Não era por conta do trabalho
    Ela odiava aquela casa tanto quanto eu
    Eu era muito novo pra entender
    O porquê ela não saia dali, largava ele e seguia a vida
    Maldito relacionamento abusivo
    Usou o sofrimento da minha mãe
    Pra alimentar o ego daquele imundo
    E foi ela quem pagou a conta
    Sozinha
    Até hoje me pergunto o que seria da minha mãe e de mim
    Se aquele homem nunca tivesse machucado ela
    Se o mundo não tivesse criado ele pra ser tão machista
    Ou se eu tivesse coragem pra fazer alguma coisa
    Bom, talvez eu não me encontrasse aqui

    Enviada por Carlos. Revisões por 3 pessoas. Viu algum erro? Envie uma revisão.

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