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Demarcação Já!

Ney Matogrosso

LetraSignificado

    Já que depois de mais de cinco séculos
    E de ene ciclos de etnogenocídio
    O índio vive, em meio a mil flagelos
    Já tendo sido morto e renascido

    Tal como o povo kadiwéu e o panará

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Já que diversos povos vêm sendo atacados
    Sem vir a ver a terra demarcada
    A começar pela primeira no Brasil
    Que o branco invadiu já na chegada
    A do tupinambá

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Já que, tal qual as obras da Transamazônica
    Quando os milicos os chamavam de silvícolas
    Hoje um projeto de outras obras faraônicas
    Correndo junto da expansão agrícola
    Induz a um indicídio, vide o povo kaiowá

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Já que tem bem mais latifúndio em desmesura
    Que terra indígena pelo país afora;
    E já que o latifúndio é só monocultura
    Mas a T.I. é polifauna e pluriflora

    Ah!

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    E um tratoriza, motosserra, transgeniza
    E o outro endeusa e diviniza a natureza
    O índio a ama por sagrada que ela é
    E o ruralista, pela grana que ela dá;

    Hum, bah!

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Já que por retrospecto só o autóc
    Tone mantém compacta e muito intacta
    E não impacta, e não infecta, e se
    Conecta e tem um pacto com a mata

    Sem a qual a água acabará

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Pra que não deixem nem terras indígenas
    Nem unidades de conservação
    Abertas como chagas cancerígenas
    Pelos efeitos da mineração

    E de hidrelétricas no ventre da Amazônia, em Rondônia, no Pará

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Já que tal qual o negro e o homossexual
    O índio é tudo que não presta, como quer
    Quem quer tomar-­lhe tudo que lhe resta
    Seu território, herança do ancestral

    E já que o que ele quer é o que é dele já

    Demarcação, tá?
    Demarcação já!

    Pro índio ter a aplicação do Estatuto
    Que linde o seu rincão qual um reduto
    E blinde-­o contra o branco mau e bruto
    Que lhe roubou aquilo que era seu

    Tal como aconteceu, do Pampa ao Amapá

    Demarcação lá!
    Demarcação já!

    Já que é assim que certos brancos agem

    Chamando-­os de selvagens, se reagem
    E de não índios, se nem fingem reação
    À violência e à violação

    De seus direitos, de Humaitá ao Jaraguá

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Pois índio pode ter iPad, freezer, TV, caminhonete, voadeira
    Que nem por isso deixa de ser índio
    Nem de querer e ter na sua aldeia
    Cuia, canoa, cocar, arco, maracá

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Pra que o indígena não seja um indigente
    Um alcoólatra, um escravo ou exilado
    Ou acampado à beira duma estrada
    Ou confinado e no final um suicida
    Já velho ou jovem ou pior, piá

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Por nós não vermos como natural
    A sua morte sociocultural
    Em outros termos, por nos condoermos
    E termos como belo e absoluto

    Seu contributo do tupi ao tucupi, do guarani ao guaraná

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Pois guaranis e makuxis e pataxós
    Estão em nós, e somos nós, pois índio é nós
    É quem dentro de nós a gente traz, aliás
    De kaiapós e kaiowás somos xarás

    Xará

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Pra não perdermos com quem aprender
    A comover-­nos ao olhar e ver
    As árvores, os pássaros e rios
    A chuva, a rocha, a noite, o sol, a arara
    E a flor de maracujá

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Pelo respeito e pelo direito
    À diferença e à diversidade
    De cada etnia, cada minoria
    De cada espécie da comunidade
    De seres vivos que na Terra ainda há

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Por um mundo melhor ou, pelo menos
    Algum mundo por vir; por um futuro
    Melhor ou, Oxalá, algum futuro
    Por eles e por nós, por todo mundo

    Que nessa barca junto todo mundo tá

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Já que depois que o enxame de Ibirapueras
    E de Maracanãs de mata for pro chão
    Os yanomami morrerão deveras
    Mas seus xamãs seu povo vingarão
    E sobre a humanidade o céu cairá

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Já que, por isso, o plano do krenak encerra
    Cantar, dançar, pra suspender o céu
    E indígena sem terra é todos sem a Terra
    É toda a civilização ao léu

    Ao deus­-dará

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Sem mais embromação na mesa do Palácio
    Nem mais embaço na gaveta da Justiça
    Nem mais demora nem delonga no processo
    Nem retrocesso nem pendenga no Congresso
    Nem lengalenga, nenhenhém nem blablablá!

    Demarcação já!
    Demarcação já!

    Pra que nas terras finalmente demarcadas
    Ou autodemarcadas pelos índios
    Nem madeireiros, garimpeiros, fazendeiros
    Mandantes nem capangas nem jagunços
    Milícias nem polícias os afrontem

    Vrá!

    Demarcação ontem!
    Demarcação já!

    E deixa o índio, deixa o índio, deixa os índios lá


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