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Balada do Desespero

Pedro Barroso

LetraSignificado

    Porque nasceste, vives
    Porque vivias cresceste
    Porque cresceste tiveste
    A sorte que não sabias
    Porque estudaste aprendeste
    As coisas de se saber
    E outras inúteis de sobra
    As coisas de se esquecer
    As coisas de se esquecer

    Porque cumpriste fizeste
    O que te mandaram fazer
    Os padres o pai a mãe
    O professor o mais velho
    O sargento o comandante
    O senhorio a porteira
    O ministro o governante
    O cobrador o pedreiro
    Esteja cá na terça-feira
    O bancário o carpinteiro
    O homem do gás da luz
    Da água do pão do leite
    E acabaste cumprindo
    Cumprindo tudo a preceito

    Encomendaste gravatas
    Fatos novos e sapatos
    Dedicaste-te ao chinquilho
    Talvez ao king
    Fizeste um filho e outro filho
    Nas horas livres, às vezes
    Em havendo futebol
    Sentiste-te homem de tasca
    Sentiste que eras uma besta
    Mas segunda-feira cedo
    Bem cedo bem matinal
    Te achavas de novo pronto
    Partindo para o mesmo emprego
    Comprando o mesmo jornal

    E sempre todos os dias
    Cobiçaste a secretária
    Do teu chefe o sr. Sousa
    Para à noite pernas moídas
    Tomares o trinta e sete
    O carrinho ou a bicicleta
    E regressando cansado
    Do barulho e da ausência
    Sentires-te reencontrado
    Da solidão na indolência
    De um canapé recostado
    Pijama e televisão
    Aquecedor e decência
    Tudo muito bem ligado
    Tudo muito bem sentado
    Em conforto e concordância
    Em conforto e anuência

    Nas férias grandes redecoraste-te
    Bizarro na concepção
    E arriscaste um figurino
    Foste às compras de calção
    E sorriste aos teus parceiros
    De barraquinha na praia
    E à senhoria vizinha
    Que nunca tirou a saia
    Calculem só os senhores
    Agosto inteiro com saia

    Aturaste a pequenada
    Brigas birras fraldas caca
    Apreciaste o traseiro
    Da amiga do teu amigo
    Rechonchudinha mulata
    -Já é preciso ter lata!
    Viraste a cara em decoro
    Não vão os putos ver isto
    Espalhaste óleo pelas espaldas
    Enquanto a tua mulher
    Um pouco desconfiada
    Desabrida e despeitada
    Te exigiu
    -Ó, Silva, tu muda as fraldas

    Depois à noite porreiro
    Caminhaste na avenida
    Muito fresco e prazenteiro
    Com a pança bem comida
    Às vezes de um frango inteiro
    Que não és homem dos fracos
    Dos fracos não reza a história
    E o silva é alguém na vida
    Homem de bem de memória
    Contabilista da firma
    Tal e tal rua da glória
    Sempre que quiser já sabe
    É uma casa às suas ordens

    E depois pelo caminho
    Regressas gritas dás ordens
    Recuas gritas dás ordens
    E ameaças o outro
    Que guinou para este lado
    Se calhar querias coitado
    E o camião chateado
    De se ver ultrapassado

    Regressas mais bronzeado
    Mais gordo talvez mais magro
    Mais velho um mês e quem sabe
    Mais cansado que à partida

    Regressas ao rame rame
    Enquanto suspirarás
    Todo o ano por um mês
    Todo o mês por outra vida
    Toda a vida por viver
    Algo que te valha a pena
    Ou então tu já nem sentes
    E mentes-te enquanto sentes
    E mentes e já não sentes
    E já não sentes mas mentes

    Ano a ano te esfolharam
    Te roubaram prestações
    Letras fantasmas viagens
    Cromos selos colecções
    Hálito fresco e saudável
    Graxa sabão brilhantina

    Mudaste a cor do salão
    De azul para verde marinho
    Do verde para um branquinho
    E enfim para um castanho
    O que é que achas mais clarinho
    E ao fim de tanto trocares
    Baralhares e confundires
    Acabas por rebentar
    Evitando pelo menos
    Teres enfim de destruir
    Tudo o que creste ser belo
    Ser lindo ser valioso
    Acabaste confundindo
    Viver com reeducar-te

    Passaste o tempo calcando
    O que podias ter sido tu
    Nu inteiro e pessoal
    Pois que assim afinal
    Foste um entre milhões
    Que de morte natural
    Tem uma cruz lega uns tostões
    E cai podre numa cova
    Em funeral

    Não te ficou nem um gesto
    Que não façam mais milhares
    Não te ficou nem um risco
    Um grito para espalhares
    Não te ficou nem uma sobra
    Uma intenção uma raiva
    Isto é caso pra dizer
    Parvo incapaz e castrado
    Rastejante e tão honrado
    Foste um escravo do dever
    Um pobre mais um na selva

    Repousa em paz bom rapaz


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