Cálice

Duplo sentido e resistência em "Cálice" na voz de Pitty

O principal destaque de "Cálice", na versão de Pitty, está no jogo de palavras entre "cálice" (taça) e "cale-se" (ordem de silenciar), que evidencia de forma clara a repressão e a censura do regime militar brasileiro. Ao trazer a música para um arranjo de rock alternativo, Pitty intensifica o clima de angústia e resistência, atualizando o protesto para os dias atuais sem perder a força do original.

A letra apresenta imagens fortes de sofrimento e opressão, como em “Como beber dessa bebida amarga? / Tragar a dor, engolir a labuta?”, que expressam a sensação de impotência diante da violência institucional. O trecho “Pai, afasta de mim esse cálice / De vinho tinto de sangue” faz referência à passagem bíblica de Jesus no Getsêmani, mas aqui ganha um sentido político, associando o cálice ao sangue derramado pela repressão. O silêncio imposto pela censura aparece em versos como “Mesmo calada a boca, resta o peito / Silêncio na cidade não se escuta”, enquanto a vontade de romper esse silêncio surge em “Quero lançar um grito desumano / Que é uma maneira de ser escutado”.

A música também usa metáforas para mostrar o desgaste social, como “De muito gorda a porca já não anda” e “De muito usada a faca já não corta”, sugerindo que o sistema opressor está saturado, mas ainda mantém o controle. No final, versos como “Quero inventar o meu próprio pecado / Quero morrer do meu próprio veneno” expressam o desejo de autonomia e liberdade, mesmo diante das consequências. Ao regravar "Cálice", Pitty reforça que a luta contra a censura e pela liberdade de expressão ainda é atual na sociedade brasileira.