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Rapaz Comum

Racionais MC's

LetraSignificado

    Parece que alguém está me carregando, perto do chão
    Parece um sonho, parece uma ilusão
    A agonia, o desespero toma conta de mim
    Algo no ar me diz que é muito ruim
    Meu sangue quente, não sinto dor
    A mão dormente não sente o próprio suor
    Meu raciocínio fica meio devagar
    Quem me fudeu? Eu tô tentando me lembrar
    Cresceu o movimento ao meu redor
    Meu Deus! Eu não sei mais o que é pior
    Mentir a vida toda pra si mesmo
    Ou continuar e insistir no mesmo erro
    Me lembro de um fulano (mata esse mano!)
    Será que errar dessa forma é humano?
    Errar a vida inteira é muito fácil
    Pra sobreviver aqui, tem que ser mágico
    Me lembro de várias coisas ao mesmo tempo
    Como se eu estivesse perdendo tempo
    (A ironia da vida é foda!)
    Que valor tem? Quanto valor tem?
    Uma vida vale muito, vim saber só agora
    Deitado aqui e os manos na paz, tudo lá fora
    Puxando ferro ou talvez batendo uma bola
    Pode crer (deve tá mó Lua da hora)
    Tem alguém me chamando, quem é?
    Apertando minha mão, tem voz de mulher
    O choro a faz engolir as palavras
    O lenço que enxuga meu suor, enxuga sua própria lágrima
    No rosto de uma mãe, que reza baixinho
    Que nunca me deixou faltar, ficar sozinho
    Me ensinou o caminho desde criança
    Minha infância, mais uma eu guardo na lembrança
    Na esperança da periferia, eu sou mais um
    Clic, clec, bum!
    Rapaz comum

    Clic, clec, bum!
    A lei da selva é assim
    Clic, clec, bum!

    Rapaz comum
    A lei da selva é assim
    Clic, clec, bum!
    Predatória
    Rapaz comum
    Preserve a sua glória!

    Queria atrasar o meu relógio
    Pra mim, vale muito um minuto a mais de ódio
    Mas me sinto fraco, indefeso, desprotegido
    Eu vou mais alto, cuzão! Pra te levar comigo!
    Vou ser um encosto na sua vida
    Você criou um monstro sem cura, sem alternativa
    Me enganar, pra quê? Se o fim é virar pó
    Fiquei muito pior Segura o seu BO!
    O preto aqui não tem dó!
    Mais uma vida desperdiçada, e é só
    Uma bala vale por uma vida do meu povo
    No pente tem quinze, sempre a menos no morro, então?
    Quantos manos iguais a mim se foram?
    Preto, preto, pobre, cuidado, socorro!
    Que que pega aqui? Que que acontece ali?
    Vejo isso frequentemente, desde moleque
    Quinze de idade já era o bastante, então
    Treta no baile, então. Tiros de monte
    Morte nem se fala, eu vejo um cara agonizando
    (Chama a ambulância! Alguém chame a ambulância!)
    Depois ficava sabendo na semana
    Que dois já era, os preto sempre teve fama
    No jornal, revista e TV se vê
    Morte aqui é natural, é comum de se ver
    Caralho! Não quero ter que achar normal
    Ver um mano meu coberto com jornal
    É mal, cotidiano suicida
    Quem entra, tem passagem só pra ida
    Me diga (me diga): Que adianto isso faz?
    Me diga (me diga): Que vantagem isso traz?
    Então, a fronteira entre o Céu e o Inferno tá na sua mão
    Nove milímetros de ferro, cuzão!
    Otário! Que porra é você?
    Olha no espelho e tenta entender
    A arma é uma isca pra fisgar
    Você não é polícia pra matar
    É como uma bola de neve
    Morre um, dois, três, quatro, morre mais um em breve
    Sinto na pele, me vejo entrando em cena
    Tomando tiro, igual filme de cinema

    Clic, clec bum!
    Rapaz comum
    Clic, clec, bum!
    A lei da selva é assim
    Clic, clec, bum!
    Rapaz comum
    A lei da selva é assim
    Clic, clec, bum!
    Predatória
    Rapaz comum
    Preserve a sua glória!

    Minha ideia tá clareando
    Eu fico atacado, mó neurose, o tempo tá esgotando
    Não quero admitir, meus olhos vão abrir
    Vou chorar, vou sorrir, vou me despedir
    Não quero admitir que sou mais um
    Infelizmente é assim, aqui é comum
    Um corpo a mais no necrotério, é sério
    Um preto a mais no cemitério, é sério
    Eu tô me vendo agora e é difícil
    Minha família, meus manos; no centro, um crucifixo
    Meus filhos olhando, sem entender o porquê
    Se eu pudesse falar, talvez iriam saber
    Não acredito que esse mano veio até aqui!
    Me matou, quer certeza e quer conferir
    Me acompanham até a sepultura
    Vejo um tumulto no caixão (hã), e alguém segura
    Mais uma mãe que não se conforma
    Perder um filho dessa forma é foda! Quem se conforma?
    Como eu podia imaginar?
    No velório de outras pessoas, hoje estou no lugar
    No buraco, desce o meu caixão
    Jogam terra, flores, se despedem na última oração
    Tão me chamando, meu tempo acabou
    Não sei pra onde ir, não sei pra onde vou
    Qual que é? Qual que é? O que que eu vou ser?
    Talvez um anjo de guarda, pra te proteger
    Não sou o último, nem muito menos o primeiro
    A lei da selva é uma merda e você é o herdeiro!


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