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O Fugitivo

Sérgio Godinho

Letra

    Um homem corre na noite
    é uma imagem banal
    podia ser em Madrid
    ou Johanesburgo, ou em S. Paulo
    ou Budapeste, Nova Iorque
    ou Hollywood
    ou é claro em Portugal
    um homem corre na noite
    é uma imagem banal

    Porque foge? De onde vem?
    porque olha para trás inquietado?
    será soldado? vagabundo?
    criminoso? ratoneiro?
    será apenas o primeiro
    dos que vão fugir com ele?
    foge p´ra salvar a pele
    só a sua? a pele dos outros?
    a pele clara ou a escura?
    quanto tempo vai durar a sua fuga?
    quanto dura? o que espera?
    o que espera o homem- fera
    se chegar a quem o espera?
    alguém o quer? alguém se acende
    alguém o chora?
    alguém por quem ele chorou
    chorará por ele agora?
    alguém que nunca o trairá
    e se sim, onde será?

    Um homem luta contra o sangue
    que derrama
    e diz: valeu a pena?

    Que os barcos
    voltem a subir o Guadiana
    vindos de longe
    do mar

    Que os barcos
    voltem a subir o Guadiana
    descarregando à passagem
    todo o trigo
    que o cavalo esbaforido
    chegue à relva, sua cama
    que o fugitivo
    encontre seu porto de abrigo

    Um homem corre na noite
    é uma imagem banal
    esgueirado de holofotes
    com a estrada que atravessa
    se confunde
    com o breu o seu corpo
    se confunde
    e se passa num muro branco
    fica branco como a cal
    tal e qual
    o camaleão
    é uma imagem banal

    Um homem luta contra o sangue
    que derrama
    em que cama
    terá ele o seu repouso?
    está ansioso? e como não?
    não estaria quem pisasse
    um desconhecido chão?
    não estaria de garganta afogueada
    quem por nada
    assim fugisse?
    quem por tudo suplicasse
    dai-me forças, dá-te forças
    a ti próprio te confias
    dá-te alento, dá-te tempo
    dá-te dias
    sobrevive de agonias
    respirando sobrevives
    sobrevive

    Um homem vive
    contra o sangue
    que derrama
    e diz: vale a pena?

    Que os barcos
    voltem a subir o Guadiana ...

    Um homem corre na noite
    é uma imagem banal
    porque insiste? porque teima?
    não há pânico na rua
    não há fogo no quintal
    labaredas? só nas camas
    dos amantes
    já distantes
    chegam ruídos, utopias
    quanto vale uma utopia?
    vale tudo? quanto vale?
    um homem corre na noite
    é uma imagem banal

    O que fez o fugitivo? porque corre?
    se está vivo é porque morre
    se morrer é porque o matam
    se o matarem ,será justo?
    inocentes são os culpados de outros crimes
    de que culpa?
    de paixão? de inconsciência?
    será justo ou não será
    desbaratar a inocência
    tão a custo conquistada?
    porque corre o fugitivo nessa estrada?

    E agora para para agora
    o homem para
    para agora para agora
    será que sente que chegou a sua hora?

    É impossível
    não é possível
    correr tanto
    e pensar tão
    lucidamente
    o coração
    não aguenta
    a cabeça também não
    porque tenta
    ultrapassar os seus limites?
    provavelmente
    é por vontade de viver
    (quente quente ...)
    que ultrapassa os seus limites
    «Estamos quites!»
    diz para o seu coração
    «Ainda não, ainda não ...
    sentes que valeu a pena?
    se te obrigam a fugir
    mais te obrigam
    a chegar junto de ti
    valeu a pena?»


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