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Partage Des Eaux

Anne Sylvestre

Letra

Compartilhar das Águas

Partage Des Eaux

Ainda não nascida, já formada
Pas encore née, déjà formée

Passageira de um mundo líquido
Passager d'un monde liquide

Pequeno peixe, apenas um arrepio
Petit poisson, juste un frisson

Animada por gestos languidos
Animée de gestes languides

Onde está o alto, minha mãe água?
Où est le haut, ma mère l'eau?

Onde está o baixo em teu silêncio?
Où est le bas dans ton silence?

Na doçura do teu cercado
Dans la douceur de ton enclos

Sou um quase-nada que dança
Je suis un presque-rien qui danse

E tu me seguras bem apertado
Et tu me tiens au plus serré

Teu anel de ouro está bem fechado
Ton anneau d'or est bien fermé

Meu oceano particular
Mon océan particulier

Minha querida
Ma chère

Carcereira
Geôlière

É a doce partilha das águas
C'est le doux partage des eaux

Que guardamos no mais profundo de nossos ossos
Qu'on garde au plus creux de ses os

Onde vêm beber os pássaros
Où viennent boire les oiseaux

Do sonho
Du rêve

Não se sabe em sua ilhota
On ne sait pas sur son îlot

Que seremos lançados pela onda
Qu'on sera jeté par le flot

Felicidade que num golpe de tesoura
Bonheur qui d'un coup de ciseau

Se encerra
S'achève

Partilha das águas
Partage des eaux

Lágrimas salgadas, beijos molhados
Larmes salées, baisers mouillés

A vida está ali como uma onda
La vie est là comme une houle

Toda assustada de se afogar
Tout effrayée de s'y noyer

Fraldas molhadas, leite que escorre
Langes trempés, lait qui s'écoule

Logo suja, logo lavada
Sitôt salie, sitôt lavée

Quando gritei minha impaciência
Quand j'ai crié mon impatience

E tão rapidamente saciada
Et tout aussi vite abreuvée

Nas fontes de tua abundância
Aux sources de ton abondance

Tu alimentas meus desejos
Tu alimentes mes désirs

Mas sem nunca te despojares
Mais sans jamais t'en dessaisir

Pródiga de todos os prazeres
Prodigue de tous les plaisirs

Fonte
Fontaine

Certa
Certaine

A terna partilha das águas
Le tendre partage des eaux

Que se desdobra amorosa
Qui se décline amoroso

Onde vêm apontar o focinho
Où viennent pointer leur museau

As lobas
Les louves

Não se sabe no berço
On ne sait pas dans son berceau

Que o riacho secará
Que se tarira le ruisseau

Nem que em breve se esgotarão
Ni que s'assécheront bientôt

Os fossos
Les douves

Partilha das águas
Partage des eaux

E é a vida que flui em nós
Et c'est la vie qui coule en nous

Nariz entupido, joelho sangrando
Nez enrhumé, genou qui saigne

Sangue que ferve e desata
Sang qui bouillonne et qui dénoue

Os prenúncios de um novo reinado
Les prémices d'un nouveau règne

Suor do esforço e do jogo
Sueur de l'effort et du jeu

Troca violenta de salivas
Échange violent des salives

E mistura mais amorosa
Et mélange plus amoureux

De outros humores de fontes vivas
D'autres humeurs de sources vives

Para onde vai o turbilhão da minha vida?
Où va le torrent de ma vie?

Seu curso serpenteia e desvia
Son courant serpente et dévie

E eu permaneço insatisfeita
Et je demeure inassouvie

Meu rio
Mon fleuve

Minha prova
Ma preuve

A sombria partilha das águas
Le sombre partage des eaux

Que escava em nós todas as suas redes
Qui creuse en nous tous ses réseaux

Onde se afogarão nossos soluços
Où vont se noyer nos sanglots

Tenazes
Tenaces

Sabemos muito bem em sua jangada
On sait trop bien sur son radeau

Que um dia o nível baixará
Qu'un jour baissera le niveau

E que se fechará muito cedo
Et que se fermera trop tôt

A armadilha
La nasse

Partilha das águas
Partage des eaux

Tantos rios, torrentes
Tant de rivières, de torrents

Tantos lagos e tantas fontes
Tant de lacs et tant de fontaines

Tantos mares e tantos oceanos
Tant de mers et tant d'océans

Onde são engolidas tantas dores
Où sont englouties tant de peines

Todas essas águas que estão em mim
Toutes ces eaux qui sont en moi

Todas essas águas que me atravessam
Toutes ces eaux qui me traversent

São também aquelas onde me afogo
Sont celles aussi où je me noie

Quando ainda choro copiosamente
Quand encore je pleure à verse

Como encontrar o oásis novamente
Comment retrouver l'oasis

Para dormir como antigamente
Pour y dormir comme jadis

No jardim dos teus deleites?
Dans le jardin de tes délices?

Minha fonte
Ma source

Minha corrida
Ma course

A última partilha das águas
L'ultime partage des eaux

Chegará pianissimo
Arrivera pianissimo

Não teremos a última palavra
Nous n'aurons pas le dernier mot

Não importa!
Qu'importe!

Antes de dar o grande salto
Avant de faire le grand saut

Beberemos diretamente do gargalo
Boirons à même le goulot

O gole que o andarilho
La gorgée que le chemineau

Leva consigo
Emporte

Partilha das águas
Partage des eaux

Partilha das águas
Partage des eaux

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