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Quatro Sonetos de Meditação (I,II,lll e IV)

Vinicius de Moraes

Letra

    I

    Mas o instante passou. A carne nova
    Sente a primeira fibra enrijecer
    E o seu sonho infinito de morrer
    Passa a caber no berço de uma cova.

    Outra carne vírá. A primavera
    É carne, o amor é seiva eterna e forte
    Quando o ser que viver unir-se à morte
    No mundo uma criança nascerá.

    Importará jamais por quê? Adiante
    O poema é translúcido, e distante
    A palavra que vem do pensamento

    Sem saudade. Não ter contentamento.
    Ser simples como o grão de poesia.
    E íntimo como a melancolia.

    II

    Uma mulher me ama. Se eu me fosse
    Talvez ela sentisse o desalento
    Da árvore jovem que não ouve o vento
    Inconstante e fiel, tardio e doce.

    Na sua tarde em flor. Uma mulher
    Me ama como a chama ama o silêncio
    E o seu amor vitorioso vence
    O desejo da morte que me quer.

    Uma mulher me ama. Quando o escuro
    Do crepúsculo mórbido e maduro
    Me leva a face ao gênio dos espelhos

    E eu, moço, busco em vão meus olhos velhos
    Vindos de ver a morte em mim divina:
    Uma mulher me ama e me ilumina.

    III

    O efêmero. Ora, um pássaro no vale
    Cantou por um momento, outrora, mas
    O vale escuta ainda envolto em paz
    Para que a voz do pássaro não cale.

    E uma fonte futura, hoje primária
    No seio da montanha, irromperá
    Fatal, da pedra ardente, e levará
    À voz a melodia necessária.

    O efêmero. E mais tarde, quando antigas
    Se fizerem as flores, e as cantigas
    A uma nova emoção morrerem, cedo

    Quem conhecer o vale e o seu segredo
    Nem sequer pensará na fonte, a sós...
    Porém o vale há de escutar a voz.

    IV

    Apavorado acordo, em treva. O luar
    É como o espectro do meu sonho em mim
    E sem destino, e louco, sou o mar
    Patético, sonâmbulo e sem fim.

    Desço na noite, envolto em sono; e os braços
    Como ímãs, atraio o firmamento
    Enquanto os bruxos, velhos e devassos
    Assoviam de mim na voz do vento.

    Sou o mar! sou o mar! meu corpo informe
    Sem dimensão e sem razão me leva
    Para o silêncio onde o Silêncio dorme

    Enorme. E como o mar dentro da treva
    Num constante arremesso largo e aflito
    Eu me espedaço em vão contra o infinito.


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