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Brasília, Sinfonia da Alvorada

Vinicius de Moraes

LetraSignificado

    No príncipio era o ermo
    Eram antigas solidões sem mágoa.
    O altiplano, o infinito descampado
    No princípio era o agreste:
    O céu azul, a terra vermelho-pungente
    E o verde triste do cerrado.
    Eram antigas solidões banhadas
    De mansos rios inocentes
    Por entre as matas recortadas.
    Não havia ninguém. A solidão
    Mais parecia um povo inexistente
    Dizendo coisas sobre nada.
    Sim, os campos sem alma
    Pareciam falar, e a voz que vinha
    Das grandes extensões, dos fundões crepusculares
    Nem parecia mais ouvir os passos
    Dos velhos bandeirantes, os rudes pioneiros
    Que, em busca de ouro e diamantes,
    Ecoando as quebradas com o tiro de suas armas,
    A tristeza de seus gritos e o tropel
    De sua violência contra o índio, estendiam
    As fronteiras da pátria muito além do limite dos tratados.
    - Fernão Dias, Anhanguera, Borba Gato,
    Vós fostes os heróis das primeiras marchas para o oeste,
    Da conquista do agreste
    E da grande planície ensimesmada!
    Mas passastes. E da confluência
    Das três grandes bacias
    Dos três gigantes milenares:
    Amazonas, São Francisco, Rio da Prata ;
    Do novo teto do mundo, do planalto iluminado
    Partiram também as velhas tribos malferidas
    E as feras aterradas.
    E só ficaram as solidões sem mágoa
    O sem-termo, o infinito descampado
    Onde, nos campos gerais do fim do dia
    Se ouvia o grito da perdiz
    A que respondia nos estirões de mata à beira dos rios
    O pio melancólico do jaó.
    E vinha a noite. Nas campinas celestes
    Rebrilhavam mais próximas as estrelas
    E o Cruzeiro do Sul resplandecente
    Parecia destinado
    A ser plantado em terra brasileira:
    A Grande Cruz alçada
    Sobre a noturna mata do cerrado
    Para abençoar o novo bandeirante
    O desbravador ousado
    O ser de conquista
    O Homem!

    II / O HOMEM

    Sim, era o Homem,
    Era finalmente, e definitivamente, o Homem.
    Viera para ficar. Tinha nos olhos
    A força de um propósito: permanecer, vencer as solidões
    E os horizontes, desbravar e criar, fundar
    E erguer. Suas mãos
    Já não traziam outras armas
    Que as do trabalho em paz. Sim,
    Era finalmente o Homem: o Fundador. Trazia no rosto
    A antiga determinação dos bandeirantes,
    Mas já não eram o ouro e os diamantes o objeto
    De sua cobiça. Olhou tranqüilo o sol
    Crepuscular, a iluminar em sua fuga para a noite
    Os soturnos monstros e feras do poente.
    Depois mirou as estrelas, a luzirem
    Na imensa abóbada suspensa
    Pelas invisíveis colunas da treva.
    Sim, era o Homem...
    Vinha de longe, através de muitas solidões,
    Lenta, penosamente. Sofria ainda da penúria
    Dos caminhos, da dolência dos desertos,
    Do cansaço das matas enredadas
    A se entredevorarem na luta subterrânea
    De suas raízes gigantescas e no abraço uníssono
    De seus ramos. Mas agora
    Viera para ficar. Seus pés plantaram-se
    Na terra vermelha do altiplano. Seu olhar
    Descortinou as grandes extensões sem mágoa
    No círculo infinito do horizonte. Seu peito
    Encheu-se do ar puro do cerrado. Sim, ele plantaria
    No deserto uma cidade muita branca e muito pura...

    Citação de Oscar Niemeyer

    - "... como uma flor naquela terra agreste e solitária…"
    - Uma cidade erguida em plena solidão do descampado.
    Niemeyer
    - " ... como uma mensagem permanente de graça e poesia..."
    - Uma cidade que ao sol vestisse um vestido de noivado
    Niemeyer
    - " ... em que a arquitetura se destacasse branca, como que flutuando na imensa escuridão do planalto..."
    - Uma cidade que de dia trabalhasse alegremente
    Niemeyer
    - "…numa atmosfera de digna monumentalidade..."
    - E à noite, nas horas do langor e da saudade
    Niemeyer
    - " ... numa luminação feérica e dramática..."
    - Dormisse num Palácio de Alvorada!
    Niemeyer
    - " ... uma cidade de homens felizes, homens que sintam a vida em toda a sua plenitude, em toda a sua fragilidade; homens que compreendam o valor das coisas puras..."
    - E que fosse como a imagem do Cruzeiro
    No coração da pátria derramada.

    Citação de Lucio Costa

    - "…nascida do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos que se cruzam em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz."

    III / A CHEGADA DOS CANDANGOS

    Tratava-se agora de construir: e construir um ritmo novo.

    Para tanto, era necessário convocar todas as forças vivas da Nação, todos os homens que, com vontade de trabalhar e confiança no futuro, pudessem erguer, num tempo novo, um novo Tempo.
    E, à grande convocação que conclamava o povo para a gigantesca tarefa começaram a chegar de todos os cantos da imensa pátria os trabalhadores: os homens simples e quietos, com pés de raiz, rostos de couro e mãos de pedra, e que, no calcanho, em carro de boi, em lombo de burro, em paus-de-arara, por todas as formas possíveis e imagináveis, começaram a chegar de todos os lados da imensa pátria, sobretudo do Norte; forarn chegando do Grande Norte, do Meio Norte e do Nordeste, em sua simples e áspera doçura; foram chegando em grandes levas do Grande Leste, da Zona da Mata, do Centro-Oeste e do Grande Sul; foram chegando em sua mudez cheia de esperança, muitas vezes deixando para trás mulheres e filhos a aguardar suas promessas de melhores dias; foram chegando de tantos povoados, tantas cidades cujos nomes pareciam cantar saudades aos seus ouvidos, dentro dos antigos ritmos da imensa pátria...

    Dois locutores alternados

    - Boa Viagem! Boca do Acre! Água Branca! Vargem Alta! Amargosa! Xique-Xique! Cruz das Almas! Areia Branca! Limoeiro! Afogados! Morenos! Angelim! Tamboril! Palmares! Taperoá! Triunfo! Aurora! Campanário! Águas Belas! Passagem Franca! Bom Conselho! Brumado! Pedra Azul! Diamantina! Capelinha! Capão Bonito! Campinas! Canoinhas! Porto Belo! Passo Fundo!
    Locutor no 1
    - Cruz Alta...
    Locutor no 2
    - Que foram chegando de todos os lados da imensa pátria...
    Locutor no 1
    - Para construir uma cidade branca e pura...
    Locutor n 2
    - Uma cidade de homens felizes...

    IV / O TRABALHO E A CONSTRUÇÃO

    - Foi necessário muito mais que engenho, tenacidade e invenção. Foi necessário 1 milhão de metros cúbicos de concreto, e foram necessárias 100 mil toneladas de ferro redondo, e foram necessários milhares e milhares de sacos de cimento, e 500 mil metros cúbicos de areia, e 2 mil quilômetros de fios.
    - E 1 milhão de metros cúbicos de brita foi necessário, e quatrocentos quilômetros de laminados, e toneladas e toneladas de madeira foram necessárias. E 60 mil operários! Foram necessários 60 mil trabalhadores vindos de todos os cantos da imensa pátria, sobretudo do Norte! 60 mil candangos foram necessários para desbastar, cavar, estaquear, cortar, serrar, pregar, soldar, empurrar, cimentar, aplainar, polir, erguer as brancas empenas...
    - Ah, as empenas brancas! -
    - Como penas brancas...
    - Ah, as grandes estruturas!
    - Tão leves, tão puras...
    Como se tivessem sido depositadas de manso por mãos de anjo na terra vermelho-pungente do planalto, em meio à música inflexível, à música lancinante, à música matemática do trabalho humano em progressão ...
    O trabalho humano que anuncia que a sorte está lançada e a ação é irreversível.

    Cantochão

    E ao crespúsculo, findo o labor do dia, as rudes mãos vazias de trabalho e os olhos cheios de horizontes que não têm fim, partem os trabalhadores para o descanso, na saudade de seus lares tão distantes e de suas mulheres tão ausentes. O canto com que entristecem ainda mais o sol-das-almas a morrer nas antigas solidões parece chamar as companheiras que se deixaram ficar para trás, à espera de melhores dias; que se deixaram ficar na moldura de uma porta, onde devem permanecer ainda, as mãos cheias de amor e os olhos cheios de horizontes que não têm fim. Que se deixaram ficar muitas terras além, muitas serras além, na esperança de um dia, ao lado de seus homens, poderem participar também da vida da cidade nascendo em comunhão com as estrelas. Que viram, uma manhã, partir os companheiros em busca do trabalho com que lhes dar uma pequena felicidade que não possuem, um pequeno nada com que poder sentir brilhar o futuro no olhar de seus filhos. Esse mesmo trabalho que agora, findo o labor do dia, encaminha os trabalhadores em bando para a grande e fundamental solidão da noite que cai sobre o planalto…

    " Deste planalto central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantávele uma confiança sem limites no seu grande destino."
    (Brasília, 2 de outubro de 1956)
    Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira

    V / CORAL

    I II III
    Coro Coro Coro
    Masculino Masculino Misto
    Brasília Brasília Brasília
    Brasília Brasília Brasília
    Brasília Brasília Brasília
    Brasília Brasília Brasília
    Brasília Brasília Brasília
    BRASIL! BRASIL! BRASIL!

    VI

    Terra de sol
    Terra de luz
    Terra que guarda no céu
    A brilhar o sinal de uma cruz
    Terra de luz
    Terra-esperança, promessa
    De um mundo de paz e de amor
    Terra de irmãos
    Ó alma brasileira ...
    ... Alma brasileira ...
    Terra-poesia de canções e de perdão
    Terra que um dia encontrou seu coração

    Brasil! Brasil!
    Ah... Ah... Ah...
    B r a s í 1 i a!
    Dlem! Dlem!
    Ô ... ô... ô... ô

    Composição: Antonio Carlos Jobim / Vinícius de Moraes. Essa informação está errada? Nos avise.

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