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Conversa de Passageiro

Wilson Aragão

LetraSignificado

    Certa feita viajei com destino ao interior
    E no ônibus me sentei bem pertinho de um doutor
    E o homem conversava, as coisas me perguntava
    Pois apesar do estudo e sua sabedoria
    Quase tudo ele sabia mais não sabia de tudo.
    Por exemplo me perguntou, com um gesto de ironia:
    -Quem foi que me ensinou a escrever poesia?
    Eu lhe respondi:
    --Patrão, não tenho certeza não
    Mas pra esses versos meus que tem um sabor silvestre
    Eu só tive um grande mestre a quem conheço por Deus.
    Cortava o carro o asfalto, e a gente dialogando
    Toda viagem é um salto quando se vai conversando.
    Contemplávamos a paisagem que margeava a rodagem
    Um quadro bem nordestino
    Cavalos e bois que comiam, casebres que pareciam brincadeiras de menino.
    Casebres rústicos de palha semeados pela serra
    Feitos sem vigas sem calhas, os pisos feitos de terra
    Portas que nunca trincavam, guris raquíticos brincavam pelo terreiro da frente.
    Vendo esse quadro o doutor falou assim:
    Trovador, nessas casas moram gente?
    Mora um povo semi-morto - eu lhe respondi no momento
    De quem o nome “conforto” não tomou conhecimento
    Em cada casinha destas, por mais pequena e modesta, tem 10 pessoas ou mais
    Ali os filhos se somam, pois as mães não tomam anticoncepcionais.
    E elas não tomam, não por não quererem tomar
    Lhes falta orientação e dinheiro pra comprar
    Mas necessitam de amor que é um dom do criador, fazer amor, quem não quis?
    E assim a todos instantes vão produzindo imigrantes que iram ao sul do país.
    As poltronas nesses ranchos, são alguns cepos de paus
    Os guarda-roupas são ganchos, as camas quase giraus
    E a alimentação, é um prato de feijão, um taco de rapadura
    Batata doce também, cuscuz de milho, xerém, macaxeira e fava pura.
    Meninos famintos, fracos, dado à limitada boia.
    Os seus lençóis são de sacos o leito é uma tipoia.
    Os seus brinquedos são ossos, caramujos e outros troços que eles acham pelo chão, na maior variedade
    Pois brinquedos de verdade eles não possuem, não.
    E os pais desses meninos? - me perguntou o doutor - são vadios peregrinos?
    Eu lhe respondi:
    Não senhor, são eles homens modestos, porém honrados e honestos que trabalham todo dia
    Trabalham tanto aliás, que talvez trabalhem mais do que vossa senhoria
    Só uma coisa é diferente, eles tem uns embaraços
    Trabalha o senhor com a mente e eles trabalham com os braços
    O senhor num gabinete que parece um palacete com todo luxo e requinte
    Pobrezinhos que eles são, não ganham nem um milhão, ganha o senhor mais de vinte
    Vive esse homem da terra, que não é dele, é alheia
    Nessa luta quase guerra que é trabalhar de meia
    Com a sua mão calejada, puxa o cabo da inchada que as suas forças consome
    Para extrair do chão essa alimentação que o homem da praça come.
    Ainda tinha um coisa pra dizer ao doutor, porém chegamos em sousa, cidade do interior
    Eu precisava ficar, e ele tinha que passar pois ia pra o juazeiro
    Tão logo me despedi, peguei a pena e escrevi:
    Conversa de passageiro


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