Rua da desolación

Rua da Desolação

Rua da desolación

vendem cartões dos enforcadosvenden postais dos aforcados
já dão passaporte pros ladrõesxa dan pasaporte aos ladróns
os marinheiros já voltaram,os mariñeiros xa voltaron,
o circo já chegouo circo xa chegou
no mosteiro os frades trinitáriosno mosteiro os frades trinitários
já não conseguem escreverxa non poden escrivir
já não levantam suas penasxa non erguen as suas plumas
nem tem pão pra benzernen hai pan que bendecir
e nas camas, debaixo das cobertase nas camas, baixo as mantas
as prostitutas pedem por favoras prostitutas piden por favor
que Ari e eu vigiemosque Ari i eu vixiemos
dessa rua da desolaçãodesde a rua da desolación
desprovida de suas cinzasdesprovista das suas cinzas
com os sapatos de cristalcos zapatos de cristal
olha lá vai ela fazendo dedove-la aí vai facendo dedo
puro estilo Kerouac;puro estilo Kerouac;
a isso das doze e sem capacetea iso das doce e sen casco
vem Romeu na sua K-100vén Romeo na sua K-100
e ela dá um sorrisoela bota-lle un surriso
e monta agarradinha a ele;e monta agarradiña a el;
não há alma, ninguém dançanon hai alma, ninguén baila
batem cinco no relógiodan as cinco no reló
só fica a Cinderelasó queda Cenicienta
varrendo a rua da desolaçãobarre a rua da desolación
lua cheia, quase ocultalua chea, case oculta
e as estrelas que fingem saire as estrelas que finxen sair
os feitiços já se escondemos meigallos xa se esconden
ninguém sabe seu futuro;ninguén sabe o seu porvir;
todo mundo, exceto Ovídio,todo o mundo excepto Ovídio,
Quasímodo ou dom Fermín,Quazimodo ou don Fermin,
todo mundo faz amortodo o mundo fai o amor
ou pelo menos é o que dizemou polo menos iso é o que din
e Santa Teresa rezae Santa Teresa reza
vai sair de procissão;vai sair de procesión;
ouve-se o rangido das camasoe-se o cruxir das camas
dessa rua da desolaçãodesde a rua da desolación
Ofélia está na janelaOfélia está na fiestra
o que vai ser dela?, eu não sei;qué vai ser dela?, eu non sei;
só tem vinte e dois anossó ten vintedous anos
e aparenta oitenta e seis;e aparenta oitenta e seis;
usa sete brancosleva postos sete brancos
cinturões de castidade,cinturóns de castidade,
afogada em misticismo,afogada en misticismo,
falta de vitalidade;falta de vitalidade;
muito apesar de sua moralmoi a pesar da sua moral
e dos dogmas da religião,e dos dogmas da relixión,
invejosa olha pras moçasenvidiosa mira ás mozas
que estão na rua da desolaçãoque hai na rua da desolación
Einstein vai de Robin HoodEinstein vai de Robin Hood
escondido na fantasiaescondido no disfraz
passeando enquanto pensapaseando mentras pensa
sobre a relatividade;sobre a relatividade;
vai fumando seu cigarro,vai chupando o seu cigarro,
entre sombras chega à luz,entre sombras chega á lus,
solta todo o alfabetosolta enteiro o alfabeto
e depois invoca Belzebu;e logo invoca a Belcebu;
jamais poderias pensarendexamais poderias pensar
em toda a fama que alcançouen toda a fama que acadou
aquele magro violinistaaquel fraco violinista
pela rua da desolaçãopola rua da desolación
na consulta dom Merdiñana consulta don Merdiña
guarda o mundo na gaveta,garda o mundo no caixón,
um minuto por pacienteun minuto por paciente
vale o título de doutor;vale o título de doutor;
tem um monte de receitas,ten un taco de recetas,
assina com a caneta,bota a firma con plumin,
a enfermeira, muito boa moçaa enfermeira, moi boa moza
pinta os lábios de carmimpinta os beizos de carmin
e se não chegam pacientese se non chegan pacientes
pega e baixa as calças;colle e baixa os pantalóns;
não há sexo sem ternuranon hai sexo sen mornura
pela rua da desolaçãopola rua da desolación
já colocaram os cartazes,colocaron xa as pancartas,
anunciou-se já o festim,anunciou-se xa o festin,
convidaram o Tenórioconvidaron ao Tenório
e o marquês de Bradomin;e ao marqués de Bradomin;
dirigindo a cerimôniadirixindo a ceremónia
o Chepas de Notre-Dameo Chepas de Notredame
envenena com suas palavrasenvenena coas suas verbas
o larápio do dom Juan;ao larpeiro de don Juan;
chega o Chepas pra informarchega o Chepas pra lles informar
as moças que ele encantou:ás mociñas que el encandilou:
potro pro dom Juan por pernoitarpotro pra don Juan por pernoctar
na rua da desolaçãona rua da desolación
por volta da meia-noiteao redor da meia noite
os agentes de controleos axentes de control
os que sabem mais que elesaos que saben mais que eles
levam-nos pra prisão;levan-nos para a prisón;
depois são acorrentadoslogo son encadeados
a uma máquina infernal,a unha máquina infernal,
sofrem dois ou três infartossofren dous ou tres infartos
até que a dose letalaté que a dose letal
é injetada pelos homensé inxectada polos homes
redentores da razãoredentores da razón
pra que ninguém escapepara que ninguén escape
pela rua da desolaçãopola rua da desolación
rumo ao cetro de Netunorumbo ao cetro de Neptuno
zarpou cedo, hoje ao amanhecer,zarpou cedo, hoxe ao mencer,
o Titanic cheio de homenso Titanic cheo de homes
condenados a morrer:condenados a morrer:
Peckinpah, o Che e ElliottPeckimpah, o Che e Elliott
gritando com o capitãoa berrar co capitán
e os cantores de calipsoe os cantantes de calipso
já estão prontos pra dançar,xa están listos pra bailar,
formam pares com as sereiasfan parellas coas sereas
sob um sol abrasadorbaixo un sol abrasador
e já não há mais o que contare xa non hai mais que contar
desde a rua da desolaçãodesde a rua da desolación
recebi sua carta ontemrecivin a tua carta onte
sobre os homens e suas razõessobre os homes e as suas razóns
quando contavas o que aconteciacando contabas o que pasaba
pensei eu: pobres de nós!pensei eu: pobres de nós!
toda essa gente da qual falastoda esa xente da que falas
já sei que não estão muito bem,xa sei que non están moi ben,
tive que arrumar as carastiven que arranxar-lles as caras
e dar-lhes algo pra comer;e dar-lles algo de comer;
mas, por favor, se puder esperarpero, por favor, se podes agardar
não me mande mais cartas, não,non me mandes mais cartas, non,
só que as franqueieunicamente que as franquees
dessa rua da desolaçãodesde a rua da desolación