Orestes

“Orestes” e o dilema de romper para pôr fim à dor

Em “Orestes”, do A Perfect Circle, libertar-se implica atravessar um limite moral: quando o cuidado prolonga o sofrimento, a “libertação” pode soar como violência. A referência ao mito grego ancora a culpa e a transgressão, aproximando o “corte” de um matricídio simbólico. Escrita enquanto a mãe de Maynard James Keenan estava gravemente doente, a canção leva o drama para a metáfora clínica do “resíduo umbilical”: desligar aparelhos e romper a dependência emocional ao mesmo tempo. Versos como “One womb, one shame, one resolve” (Um útero, uma vergonha, uma determinação) condensam origem compartilhada, culpa e decisão, enquanto “Liberate this will to release us all” (Liberte esta vontade para nos libertar a todos) explicita o objetivo: aliviar ambos — e talvez a família — do cativeiro da dor.

A letra organiza o conflito por imagens de corte e afastamento — “Gotta cut away, clear away / snip away and sever” (Preciso cortar, afastar / aparar e romper) —, de contenção farmacológica — “one more medicated peaceful moment” (mais um momento de paz medicada) — e de círculo. Esse “perfect circle” (círculo perfeito) aponta para o ciclo de dependência e repetição do sofrimento e dialoga com o nome da banda, reforçando o loop emocional que precisa ser interrompido. A “hostilidade” parece dirigida à condição (doença, aparelhos, impasse), não à pessoa. O verso mais ambíguo, “Keeping me from killing you” (impedindo que eu te mate), permite duas leituras: o vínculo ainda o impede de um ato extremo; ou, ao “severar” o vínculo, ele evita “matá-la” aos poucos, perpetuando a dor. Inserida no projeto pessoal de Mer de Noms — com faixas batizadas como “Orestes”, “Judith” e “Magdalena” —, a música expõe um embate íntimo que permanece suspenso entre o impulso de cortar e o pedido por um último amortecedor.