Lo-Fi

“Lo-Fi”: contraste entre produção limpa e letra crua

Em “Lo-Fi”, Abbot usa o título de modo irônico: a faixa não adota o lo-fi tradicional. A produção é polida, em 86 BPM e Fá sustenido maior, enquanto a letra vem áspera, direta e sem filtro. Esse choque entre som liso e conteúdo “sujo” é o eixo da música: por trás do acabamento limpo, o tema central é a “baixa fidelidade” afetiva de uma história de traição.

A narrativa em primeira pessoa mostra um cara da quebrada, no estúdio, remoendo a ex que “traiu” e rimando com humor ácido e rancor. Ele alterna desabafo e deboche: fala em “bolar um beck”, reclama “acabou a seda”, improvisa “na palha” e fecha com “vou tomar Xanax pra esquecer”, indicando um ciclo de fuga por substâncias (cachaça, pó e referência a “loló”). O verso “passa um pano molhado, tá sujinho seu nariz” sugere resquício de cocaína. As gírias reforçam o cenário: “barraco” (casa), “tropa” (grupo), “não sou noiado” (não sou viciado) e “tô de mec”, que pode soar como “tô de boa” ou como ostentação, conforme o ouvinte. Ao mesmo tempo, ele dispara ofensas e julgamentos sobre mulheres da área, citando DST e gravidez de forma escrachada — um moralismo cínico que parece projeção da própria frustração. O duplo sentido do título — “lo-fi” como “baixa fidelidade” — conecta infidelidade e estética do imperfeito: vida sem polimento, com erro, ressentimento e pose de indiferença anestesiada. No fim, prevalecem raiva e sarcasmo, movendo a faixa pela tensão entre produção limpa e letra crua.