Weird World

Desencanto, fé e ironia em “Weird World” de Allie X

“Hail Satan” ("Ave Satã") não surge como blasfêmia gratuita, e sim como ironia contra autoridades que não cumprem o que prometem. “Big brother’s always out of office” ("O Grande Irmão está sempre fora do expediente") atualiza 1984 para a burocracia contemporânea: há vigilância, mas falta responsabilidade. Escrita no início da pandemia, “Weird World” captura a sensação de distopia e o choque de Allie X com a própria carreira após Cape God. Ela abandona a fantasia da “dream girl” e admite “I don’t want to dream anymore” ("Não quero mais sonhar") porque “the world interfered” ("o mundo interferiu"). O alvo é amplo: religiões que excluem e rotulam, como em “heaven don’t want women/ Father Figure/ Hooker, Stripper!” ("o céu não quer mulheres/ figura paterna/ prostituta, dançarina de striptease!"); e um sistema que promete e não entrega. A virada é a autoaceitação mordaz: “Now I know I’m weird” ("Agora eu sei que sou estranha") — segundo a própria artista, o gatilho para mudanças criativas e comerciais que moldam o álbum Girl With No Face.

As imagens fixam o desajuste com humor ácido: a luz atravessando o linho expõe fragilidades; o “anger” que azeda em amargura; e “Nachtschwimmer” ("nadador noturno") aprendendo a viver no escuro, fora do script. Os versos em alemão — “Treffe meine Wahl im Zorn” ("Faço minha escolha com raiva") e “Das Lied… der Zeitgeist” ("A canção... o espírito do tempo") — ampliam o estranhamento e dialogam com a estética fria do new wave/pop‑punk oitentista pesquisada por ela, sugerindo a canção como guia para atravessar o Zeitgeist. No clipe, a câmera revela o set e a personagem atônita: um idílio ruindo ao vivo, tradução visual de “não quero mais sonhar”. A narrativa corre de desilusão a clareza: a “weirdness” vira estratégia de sobrevivência num mundo já estranho, impossível de fingir normal.