Fossamba 70

Nostalgia e ironia em “Fossamba 70” de Ana Paula Albuquerque

"Fossamba 70", de Ana Paula Albuquerque, utiliza uma ironia sutil para abordar as mudanças culturais e pessoais ao longo do tempo. Logo no início, a música enumera prazeres e referências culturais que já foram valorizados, como cinema, praia, festa, futebol, samba e até o pop de Elton John, mas faz isso com um certo desdém. O verso “minha casa é tão pequena, cheira talco e pinho Sol” brinca com a ideia de uma vida doméstica simples e talvez monótona, em contraste com a efervescência cultural das décadas de 1950 e 1970, evocadas com nostalgia e humor. Quando a letra diz “Já não lembro que poema de Drummond ou de Cabral”, reforça o distanciamento do passado, enquanto “bebo a morte no jornal” sugere uma crítica ao cotidiano atual, marcado por notícias negativas e certa apatia.

A música faz referência a ícones do tropicalismo, como Caetano, Gal, Bethânia e Gil, além de citar elementos como rock na vitrola, hot dog e Coca-Cola, mergulhando em memórias de uma juventude vibrante. Essas alusões são intencionais e refletem sobre as transformações culturais e pessoais ao longo dos anos. A narrativa é de alguém que observa, com leveza e ironia, o próprio envelhecimento e as mudanças do mundo, oscilando entre o desejo de reviver o passado e uma aceitação resignada do presente. O tom nostálgico é equilibrado por um humor sutil, como em “tô ficando tão sutil, tô ficando cuidadoso / ai que trânsito febril, ai que tempo perigoso”, que brinca com as preocupações modernas e a sensação de que o tempo atual é mais complicado e menos inocente do que antes.