Library Pictures

Caos moderno, amnésia e sátira em “Library Pictures”

Em Library Pictures, Alex Turner cola ciência, cotidiano e trocadilhos para retratar um presente acelerado e absurdo. O verso “Trust some ellipses to chase you ’round the room” (Confie que algumas reticências vão te perseguir pela sala) brinca com “ellipses” como pontuação e órbita, unindo linguagem e corrida espacial. O título soa como álbum de memórias, mas arquiva o agora. A imagem de “quickening canoe” (canoa acelerada) que chega à Lua condensa a pressa tecnológica, enquanto “curly straws and metaphors and goo” (canudos em espiral, metáforas e gosma) gruda o high-tech no banal pegajoso — um retrato de distrações açucaradas, resíduos e certa desconexão social do “progresso”. A letra opera como colagem: flashes sci-fi, cenas domésticas, humor torto e nonsense, sem narrativa linear, só atrito de imagens.
“Neon blossom flickering” (flor de neon piscando) sugere prazer instantâneo e fugaz; “you’ve all forgotten where you’ve been” (vocês todos esqueceram onde estiveram) aponta amnésia histórica. “Thundersuckle fuzz canyon” (cânion de fuzz thundersuckle) soa como avalanche sensorial; o “ten, nine...” (dez, nove...) injeta ansiedade de contagem regressiva. As cantigas “eeny, meeny, miny, moe” (uni-duni-tê) e “’ip-dip” (minha mãe mandou) ironizam decisões ao acaso, coroadas pelo autodeboche de “dogshit rock and roll” (rock and roll de merda de cachorro). Musicalmente, riffs rápidos, repetição e imagens nonsense reforçam um mundo veloz, desmemoriado e saturado de estímulos. O resgate ao vivo em 2018, na turnê de Tranquility Base Hotel & Casino, recontextualiza tudo: neon, espaço, nostalgia e sátira do progresso se alinham à fase “lunar” da banda, dando novo foco à mesma coleção de “fotos de biblioteca” do caos moderno.