Cães de Raça (part. Guto)

Identidade e crítica social em “Cães de Raça (part. Guto)”

Em “Cães de Raça (part. Guto)”, Azagaia constrói uma análise profunda sobre as relações étnicas em Moçambique, alternando a perspectiva entre mulato, negro, branco e indiano. A música expõe como as identidades são marcadas por heranças coloniais, estigmas sociais e dinâmicas de poder. A expressão “cães de raça” é usada de forma irônica para questionar a ideia de pureza e superioridade racial, ao mesmo tempo em que denuncia a segregação e a competição entre grupos. Azagaia mostra que as "raças" são construções sociais que perpetuam desigualdades e exclusões, e que essas divisões continuam presentes mesmo após a independência do país.

O rapper faz referência a figuras como José Craveirinha e Noémia de Sousa, conectando sua crítica à tradição literária moçambicana de resistência e reflexão sobre identidade. Ao citar o regime de Salazar, a PIDE e a assimilação forçada (“na tuga o assimilado, português de segunda”), ele situa a experiência do mulato e do negro em um contexto histórico de opressão, onde a busca por pertencimento é frustrada tanto em Portugal quanto em Moçambique. A letra também aborda o preconceito internalizado e a reprodução de hierarquias, como no verso “preto explora preto, cheira a tempo colonial”, mostrando como as divisões impostas pelo colonialismo ainda moldam comportamentos e relações. Ao incluir a comunidade indiana, chamada de “monhé”, Azagaia amplia o retrato das tensões raciais e culturais, destacando como cada grupo mantém suas tradições e ocupa papéis específicos na sociedade. O refrão “eu sou um cão de raça, aqui só passa a minha raça” reforça a crítica à exclusão e à busca por pertencimento, sugerindo que todos estão presos a um sistema que valoriza a segregação em vez da convivência.