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Análise do samba-enredo da Portela 2022: entenda o significado

Analisando letras · Por Rannyson Mykael

22 de Fevereiro de 2022, às 12:00

A Portela, também conhecida como azul-e-branco de Madureira, é conhecida por inovar sempre na escolha do samba-enredo e é assim que já conquistou 22 títulos do carnaval carioca. E agora as coisas não são diferentes!

O samba-enredo de 2022 escolhido pela Portela foi Igi Osè Baobá e, pelo próprio título, já dá para entender melhor o que a apresentação deve retratar. Para quem não lembra, os baobás são aquelas grandes árvores que têm um significado altamente espiritual na cultura africana.

Samba-enredo da Portela de 2022
Créditos: Divulgação

No entanto, existem várias referências na letra que valem a pena ser analisadas com maior cuidado para entender o samba-enredo com profundidade. Apesar do ritmo agitado, é importante lembrar que os versos contam uma história e tudo ganha um novo significado quando entendemos o que ela representa.

Preparado para essa aventura cheia de batuques contagiantes, versos poéticos e muita cultura? Vamos nessa!

Análise do samba-enredo da Portela 2022

Para explicar um pouco melhor sobre a história por trás do samba-enredo da Portela de 2022, nada melhor do que usar a fala de Wanderley Monteiro, que faz parte da equipe técnica de compositores e da história do samba, para resumir a letra em poucas palavras.

De acordo com Monteiro, Igi Osè Baobá é uma composição feliz. Como o Brasil está em um momento crítico, todos precisam de algo feliz para nos manter acreditando que o futuro pode ser melhor. Lindo, né? 

O compositor quer que quando as pessoas se perguntem “qual o melhor samba-enredo da Portela?” a resposta seja Igi Osè Baobá, já que ela tem uma importância tão grande para todos que compõem o grupo.

Se você também ficou curioso, confira agora uma análise minuciosa sobre o samba-enredo Portela 2022 seguindo as estrofes.

Análise do samba-enredo da Portela 2022: Igi Osè Baobá

Você já parou para se perguntar qual é a característica do samba-enredo? Como o próprio nome dá a entender, é a união perfeita entre música e história.

É por meio da união entre vários elementos, incluindo a letra, roupas e instrumentos, que a escola de samba consegue transmitir a temática escolhida para aquele ano.

Portela
Créditos: Divulgação

No caso do samba-enredo Portela 2022, Igi Osè Baobá já começa direcionando bem para o que o público pode ver em seguida:

Prepara o terreiro, separa a mucua

Apaoká baixou no xirê

Em nosso celeiro a gente cultua

Do mesmo preceito e saber

Raiz imponente da primeira semente

Nós temos muito em comum

O elo sagrado de Ayê e Orun

Casa pra se respeitar, meu Baobá!

Em um primeiro momento, vários termos podem parecer diferentes para quem está lendo e ouvindo, por isso é tão importante pesquisar mais sobre o samba-enredo. 

Logo no primeiro verso já temos uma referência ao baobá, elemento central da narrativa: a mucua, fruto da árvore, é mencionada como passo fundamental para começar os trabalhos.

No entanto, de acordo com Wanderley Monteiro, compositor de Igi Osè Baobá, também é possível fazer uma relação com a realidade da Portela e o elemento da jaqueira, algo tão presente na história da escola de samba. 

Assim, ambas as árvores — o baobá e a jaqueira — podem ser vistas de formas equivalentes, mostrando como a África e seus costumes estão presentes no sangue de todos os descendentes, por mais longe que eles estejam.

Baobás
Baobás / Créditos: Divulgação

O verso seguinte cita Apaoká, orixá protetora, e diz que ela baixou no xirê, ou seja, naquele momento de união em que as pessoas se reúnem com um mesmo propósito.

E a letra vai ficando cada vez mais direcionada ao elemento da árvore, especialmente no verso que fala raiz imponente da primeira semente, já que o baobá é considerado a árvore da vida. Ela está além do plano material e existe antes e depois da humanidade, por isso carrega um significado tão espiritual para aqueles que seguem as religiões de matriz africanas.

Isso pode ser visto no verso seguinte em que o samba-enredo menciona Ayê e Orun, ou seja, o plano físico e o plano espiritual, respectivamente. É o baobá que aparece como o elo entre os dois.

Obatalá, Colofé

Tem batucada no Arê

Pra minha gente de fé, Ayeraye

Nessa mironga tem mão de Ofá

Põe aluá no coité e dandá

Obatalá é o orixá da paz e tem relação com a criação do mundo. Já colofé é a benção, então o verso fala sobre pedir a benção ao orixá da criação do mundo, um gesto de respeito e boa sorte

Obatalá
Créditos: Divulgação

Arê representa as ruas, mostrando que a batucada está presente em todos os lugares. Já mironga se refere aos mistérios e a mão de Ofá, citada na música, retrata o grupo de pessoas que é responsável por recolher folhas indispensáveis para os rituais religiosos. 

No final da estrofe, continuamos a entender um pouco mais sobre os momentos de celebração quando é citado o aluá, bebida feita com farinha e que é servida nos terreiros. Ela pode ser servida no coité, uma espécie de cuia feita com casca de coco, junto do dandá, raiz comum nos cultos aos orixás.

Saluba, mamãe! Fiz do meu samba curimba

Mata a minha sede de axé

Faz do meu Igi Osè moringa

Quem tenta acorrentar um sentimento

Esquece que ser livre é fundamento

Matiz suburbano, herança de preto

Coragem no medo!

Meu povo é resistência

Feito um nó na madeira do cajado de Oxalá

Força africana vem nos orgulhar

Saluba, mamãe! é uma saudação muito linda e sentimental direcionada a Nanã, o orixá mais antigo e, por isso, visto como uma figura materna. Em seguida, o narrador pede para que seu samba se transforme em curimba, os cânticos de proteção da umbanda. É uma atribuição emocional ao samba, como diz uma das melhores músicas de Alcione: Não Deixe o Samba Morrer!

Nanã
Nanã / Créditos: Divulgação

Quando seguimos um pouco mais, saímos do foco da árvore em si para relembrar o passado de muitos descendentes africanos: quem tenta acorrentar um sentimento esquece ser livre é fundamento, ou seja, até mesmo algo básico como a liberdade foi um direito ao qual muitos negros não tiveram acesso.

Mesmo com um passado triste e que possui marcas até hoje, vem a mensagem de esperança: meu povo é resistência […] força africana vem nos orgulhar. Na mesma estrofe, vemos também uma referência a Oxalá, o orixá da paz, e seu famoso cajado, Opaxorô.

Azul e banto, Aguerê e Alujá

Pra poeira levantar, de crioula é meu tambor

Iluayê na ginga do meu lugar

Portela é Baobá no congá do meu amor

Na última estrofe, é possível perceber a referência ao azul da Portela, mostrando que todos estão unidos em um só pelo plano espiritual e ancestral. Já Aguerê e Alujá são toques. Eles são atribuídos, respectivamente, a Oxóssi, o orixá caçador, e Xangô, o justo.

Iluayê pode ser traduzido como terra distante, mas no samba-enredo também faz referência a “Iluayê, Iluayê Odara”, enredo africano mais recente feito pela Portela.

Passado e presente se unem em uma homenagem linda a todos aqueles que fazem parte da nossa história, mesmo que não estejam mais no Ayê, ou seja, o plano material. É uma ótima forma também de homenagear sambistas antigos e tão relevantes para o momento que vivemos atualmente.

Isso também pode ser visto no último verso: Portela é Baobá no congá do meu amor, já que congá é uma espécie de altar onde ficam várias imagens e elementos importantes para a construção da religião.

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sambas-enredo 2022