Merda

A irreverência e o afeto teatral em “Merda” de Caetano Veloso

Em “Merda”, Caetano Veloso transforma uma expressão vulgar em símbolo de cumplicidade e paixão artística, homenageando a tradição teatral de desejar “merda” como voto de boa sorte antes das apresentações. O artista subverte o sentido original da palavra, como mostra o verso “Gente que pôde inverter / Para sempre o sentido / Da palavra 'merda'”, destacando como, no teatro, o termo ganha um significado positivo e protetor. Essa inversão revela o poder do coletivo artístico de ressignificar o que é marginalizado, tornando-o parte de um ritual de afeto e pertencimento.

A letra faz um paralelo entre a entrega do ator e outras formas de êxtase, como o amor, drogas e álcool, mas afirma que nada se compara à intensidade de quem vive o palco: “Nem a loucura do amor / Da maconha, do pó / Do tabaco e do álcool / Vale a loucura do ator”. Caetano também destaca o ambiente dos bastidores, camarins e coxias, onde o nervosismo e a solidariedade se misturam, e o simples sussurrar de “merda” entre colegas tem mais poder de acalmar e unir do que discursos políticos ou religiosos. O refrão, ao repetir “Merda pra você!”, reforça esse desejo coletivo de sorte, transformando o palavrão em um gesto de carinho e união.

A música enfrentou censura por conta do uso da palavra “merda” e das referências a drogas, o que só reforça seu tom provocador e libertário. Ao trazer para o centro da canção uma expressão marginalizada, Caetano celebra a irreverência e a resistência do teatro, mostrando como os artistas conseguem transformar o que é considerado impróprio em arte, beleza e união.