Vamo Comer (part. Luiz Melodia)

Crítica social e antropofagia em “Vamo Comer (part. Luiz Melodia)”

Em “Vamo Comer (part. Luiz Melodia)”, Caetano Veloso propõe uma inversão de papéis ao se colocar como objeto a ser "devorado" pelo público. Essa escolha subverte a lógica tradicional da antropofagia cultural, sugerindo que o artista e sua obra podem ser assimilados, transformados e reinventados por quem os consome. O verbo "comer" aparece com duplo sentido: além do ato de se alimentar, traz conotações eróticas e de apropriação cultural, como nos versos “lamber a língua” e “comê-lo pela frente, pelo verso”. Essas expressões remetem tanto ao desejo quanto à ideia de absorver e reinventar referências externas, dialogando com o Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade e o espírito tropicalista.

A letra também faz críticas sociais e políticas de forma irônica. Ao citar o padre na televisão que é “contra a legalização do aborto e a favor da pena de morte”, Caetano expõe incoerências de discursos religiosos e conservadores. As menções a partidos como PT e UDR refletem a complexidade da política brasileira dos anos 1980. O trecho “Quando é que em vez de rico ou polícia / Ou mendigo ou pivete / Serei cidadão” questiona a dificuldade de se construir cidadania em meio a tantas desigualdades. O agradecimento a diferentes países e culturas, como “Merci beaucoup, Bahia / Arigatô, Jamaica”, reforça a celebração da mistura e assimilação cultural, marca da identidade brasileira. A música equilibra crítica e leveza, misturando samba, bossa nova e tropicalismo para refletir, de forma divertida e profunda, sobre as contradições e a criatividade do Brasil.