Podres Poderes

Crítica social e resistência em "Podres Poderes" de Caetano Veloso

Em "Podres Poderes", Caetano Veloso faz uma crítica contundente à sociedade brasileira e latino-americana, especialmente no período pós-ditadura. A ironia do verso “Queria querer gritar setecentas mil vezes como são lindos os burgueses e os japoneses” expõe o incômodo do artista diante da admiração automática por modelos de sucesso e poder, ao mesmo tempo em que denuncia a superficialidade e a alienação social. O trecho “Enquanto os homens exercem seus podres poderes” resume a crítica central da música: a manutenção de estruturas de dominação e corrupção, mesmo após mudanças políticas que não eliminaram práticas autoritárias e excludentes.

A letra alterna entre o desencanto com a passividade coletiva — “Somos uns boçais” — e a valorização dos grupos marginalizados, como indígenas, padres, homossexuais, negros, mulheres e adolescentes, que “fazem o carnaval” e mantêm viva a resistência cultural. Caetano esclareceu que o verso “Queria querer cantar afinado com eles” não se refere à cantora Elis Regina, mas expressa o desejo de se unir à luta e à celebração desses grupos. A menção ao desrespeito às leis de trânsito, que associou o nome de Caetano a câmeras de fiscalização, reforça a crítica à falta de civilidade e à naturalização de comportamentos destrutivos no cotidiano brasileiro.

A repetição de perguntas como “Será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América católica que sempre precisará de ridículos tiranos?” revela o pessimismo diante da recorrência histórica de autoritarismo e dependência de líderes medíocres. Ao mesmo tempo, Caetano questiona se apenas a arte — “os hermetismos pascoais e os tons, os mil tons, seus sons e seus dons geniais” — pode oferecer algum alívio diante dessas “trevas”. Assim, "Podres Poderes" se destaca como um manifesto crítico, equilibrando denúncia social e celebração da resistência cultural.