La Barca

“La Barca”: distância, travessia e a espera que persiste

Gravada por Caetano Veloso em espanhol no álbum Muitos Carnavais (1977), “La Barca” encena a separação como travessia entre afetos e culturas. O verso de abertura — “Dicen que la distancia es el olvido / Pero yo no concibo esta razón” (Dizem que a distância é o esquecimento / mas eu não concebo essa razão) — recusa o clichê do esquecimento e transforma o afastamento em promessa de continuidade. A voz que canta se dirige à mulher que parte — “te sientas cansada” (você se sente cansada) —, reafirma a entrega aos “caprichos” do coração dela e relembra o início luminoso do amor: “me diste la verdad que yo soñé” (você me deu a verdade que eu sonhei). O percurso vai do desafio à distância à lembrança do encontro, chega ao instante da partida e se fixa na espera concedida ao tempo dela: “hasta que tú decidas regresar” (até que você decida voltar). É uma espera ativa, firme e serena.

As imagens do mar organizam a metáfora da despedida. “Hoy mi playa se viste de amargura” (Hoje minha praia se veste de amargura) faz da praia um rito de adeus, enquanto “tu barca tiene que partir / a cruzar otros mares de locura” (seu barco tem que partir / para cruzar outros mares de loucura) projeta a travessia incerta da outra pessoa. O aviso “Cuida que no naufrague tu vivir” (Cuide para que sua vida não naufrague) soma cuidado e esperança. Mesmo quando “la luz del sol se esté apagando” (a luz do sol esteja se apagando), ele promete permanecer. Original de Roberto Cantoral e clássico da música latina, “La Barca” ganha, na interpretação emotiva de Caetano Veloso, uma fusão de idiomas e afetos que realça a barca como símbolo de dor da distância e ponte para o retorno.