Ele Me Deu Um Beijo Na Boca

Provocação e ironia em "Ele Me Deu Um Beijo Na Boca"

"Ele Me Deu Um Beijo Na Boca", de Caetano Veloso, utiliza a imagem inesperada de um beijo entre dois homens para abordar temas filosóficos, políticos e sociais com ironia e leveza. Logo no início, o verso “A vida é oca como a touca de um bebê sem cabeça” já estabelece o tom desconcertante da música, sugerindo o vazio existencial e a busca por sentido diante do absurdo. O beijo, além de gesto de afeto, funciona como provocação e afirmação de identidade, especialmente relevante ao se considerar o episódio público entre Caetano e Ney Matogrosso anos depois, reforçando a discussão sobre liberdade e expressão.

A letra alterna reflexões profundas com críticas ao cotidiano, como no trecho em que o narrador comenta que “bastava que o prefeito desse um jeito na cidade da Bahia”, mostrando que, mesmo diante de grandes questões existenciais, as demandas práticas continuam presentes. Referências ao alinhamento dos astros, à bomba de Hiroshima e a líderes como Margaret Thatcher e Menahem Begin trazem uma crítica política e histórica, ironizando a superficialidade do poder. Caetano também brinca com a cultura pop ao inverter a lógica da revista Time: “o que já não cabe é o Time Magazine no mundo dos Rolling Stones”, defendendo a força da rebeldia e da contracultura.

No final, a música mistura questões de identidade racial, religiosa e musical, como em “Eu sou do clã do Djavan, você é fã do Donato”, e termina celebrando as diferenças e o momento presente, simbolizado pelo beijo. Assim, Caetano constrói uma conversa multifacetada, transitando entre o existencial, o político e o afetivo, sempre com ironia, mas sem perder a profundidade.