Onjala Yeya

Seca, fome e união em “Onjala Yeya”, de Carlos Burity

Apesar do balanço do semba, “Onjala Yeya” é um lamento rural em umbundu sobre seca e fome. As traduções que circulam confirmam esse núcleo — “A chuva se foi” e “Mãe está chorando, a fome chegou” — que ecoa no refrão “Mãyi yolila onjala yeya” (mãe está chorando, a fome chegou). Carlos Burity transforma imagens do campo em apelo comunitário direto: “Ombela yatcha / Mãyi yolila onjala yeya” (a chuva se foi / mãe está chorando, a fome chegou) e “Olwi va tukuta, ovinhama yakufa” (o trabalho do campo está pesado, o gado morreu). Quando aparecem “sekulu” (anciãos) chorando, a dor deixa de ser individual e passa a representar toda a aldeia. A voz que canta é coletiva e se volta à comunidade — “Omanu va linga?” (o povo aguenta?) — e ao sagrado — “Tupinga pi a Suku yangue” (pedimos a Deus por chuva e alívio).

A forma reforça o sentido: chamados e respostas (“Ombela yatcha...” / “Mãyi yolila...”) criam dinâmica coral típica do semba, fazendo a dor soar compartilhada. Onomatopeias e interjeições como “Txiri txiri... yoyo yoyo ya” (onomatopeias rítmicas) e “Eh nhona...” (interjeição de chamamento) marcam o pulso e evocam cantos de trabalho ou procissões. “Omanu va linga?” admite dupla leitura — um censo de sobrevivência (“o povo ainda está de pé?”) e um teste de ânimo (“a comunidade aguenta?”). Ao cantar em umbundu e dialogar com o novo semba — do intercâmbio do Canto Livre de Angola aos tributos póstumos na RTP — Carlos Burity transforma a crônica local em memória viva: dor registrada, pedido de ajuda e convocação à união.