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Adeus a Sete Quedas

Carlos Drummond de Andrade

LetraSignificado

    Sete quedas por mim passaram,
    E todas sete se esvaíram.
    Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele
    A memória dos índios, pulverizada,
    Já não desperta o mínimo arrepio.
    Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes,
    Aos apagados fogos
    De ciudad real de guaira vão juntar-se
    Os sete fantasmas das águas assassinadas
    Por mão do homem, dono do planeta.

    Aqui outrora retumbaram vozes
    Da natureza imaginosa, fértil
    Em teatrais encenações de sonhos
    Aos homens ofertadas sem contrato.
    Uma beleza-em-si, fantástico desenho
    Corporizado em cachões e bulcões de aéreo contorno
    Mostrava-se, despia-se, doava-se
    Em livre coito à humana vista extasiada.
    Toda a arquitetura, toda a engenharia
    De remotos egípcios e assírios
    Em vão ousaria criar tal monumento.

    E desfaz-se
    Por ingrata intervenção de tecnocratas.
    Aqui sete visões, sete esculturas
    De líquido perfil
    Dissolvem-se entre cálculos computadorizados
    De um país que vai deixando de ser humano
    Para tornar-se empresa gélida, mais nada.

    Faz-se do movimento uma represa,
    Da agitação faz-se um silêncio
    Empresarial, de hidrelétrico projeto.
    Vamos oferecer todo o conforto
    Que luz e força tarifadas geram
    À custa de outro bem que não tem preço
    Nem resgate, empobrecendo a vida
    Na feroz ilusão de enriquecê-la.
    Sete boiadas de água, sete touros brancos,
    De bilhões de touros brancos integrados,
    Afundam-se em lagoa, e no vazio
    Que forma alguma ocupará, que resta
    Senão da natureza a dor sem gesto,
    A calada censura
    E a maldição que o tempo irá trazendo?

    Vinde povos estranhos, vinde irmãos
    Brasileiros de todos os semblantes,
    Vinde ver e guardar
    Não mais a obra de arte natural
    Hoje cartão-postal a cores, melancólico,
    Mas seu espectro ainda rorejante
    De irisadas pérolas de espuma e raiva,
    Passando, circunvoando,
    Entre pontes pênseis destruídas
    E o inútil pranto das coisas,
    Sem acordar nenhum remorso,
    Nenhuma culpa ardente e confessada.
    (“assumimos a responsabilidade!
    Estamos construindo o brasil grande!”)
    E patati patati patatá...

    Sete quedas por nós passaram,
    E não soubemos, ah, não soubemos amá-las,
    E todas sete foram mortas,
    E todas sete somem no ar,
    Sete fantasmas, sete crimes
    Dos vivos golpeando a vida
    Que nunca mais renascerá.

    Composição: Carlos Drummond de Andrade. Essa informação está errada? Nos avise.

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