Comedor de Gilete (pau-de-arara)

Ironia e crítica social em "Comedor de Gilete (pau-de-arara)"

"Comedor de Gilete (pau-de-arara)", de Carlos Lyra, usa o humor e a ironia para abordar a dura realidade dos migrantes nordestinos que buscam uma vida melhor nas grandes cidades. Logo no início, a música compara a fome do Ceará com a do Rio de Janeiro, mostrando que, mesmo fugindo da seca, o personagem continua enfrentando a miséria, que muitas vezes se agrava no ambiente urbano. O trecho em que ele tenta convencer um transeunte a assistir sua performance de comer gilete expõe o absurdo das situações extremas a que esses migrantes são submetidos para sobreviver e chamar atenção em meio à indiferença da cidade grande. O termo "pau-de-arara" tem duplo sentido: além de ser o caminhão que transporta migrantes, também faz referência a um instrumento de tortura, ampliando a crítica ao sofrimento e à exploração desses trabalhadores.

A letra mistura um tom descontraído e coloquial com uma crítica social direta, destacando as desigualdades do Brasil. O personagem chega ao Rio com "duas calça velha e uma violinha", tentando manter a dignidade e o bom humor mesmo diante da fome e da humilhação. O verso "Aqui não sou nada, sou só Zé-com-fome / Sou só Pau-de-Arara, nem sei mais cantar" mostra a perda de identidade e o sentimento de invisibilidade do migrante, que não encontra reconhecimento nem sustento. O desejo de voltar ao Ceará, apesar das dificuldades, revela que a saudade e o sentimento de pertencimento ainda são mais fortes do que a promessa frustrada de uma vida melhor na cidade grande. Ao final, a música sugere que, diante da falta de perspectivas, retornar às origens pode ser a única saída digna, transformando a tragédia da migração em uma crônica sobre resistência e esperança.