O Que Será (À Flor da Pele) (part. Milton Nascimento)

Ambiguidade e desejo em “O Que Será (À Flor da Pele)”

"O Que Será (À Flor da Pele) (part. Milton Nascimento)", de Chico Buarque, se destaca pela ambiguidade que permeia toda a letra. O texto nunca revela de forma direta qual é o sentimento ou força que domina o narrador, abrindo espaço para interpretações que vão do desejo erótico à inquietação existencial, passando até pela resistência política. Expressões como “me bole por dentro”, “brota à flor da pele” e “me faz corar” apontam para uma experiência intensa e incontrolável, que pode ser tanto paixão quanto uma ânsia vital impossível de reprimir ou explicar racionalmente.

O contexto histórico da canção, composta durante a ditadura militar, acrescenta uma dimensão política importante. Na época, a censura chegou a enxergar na música uma referência indireta a Cuba, interpretando o “o que será” como uma força coletiva e subversiva. Apesar disso, Chico Buarque sempre afirmou que não tinha uma intenção única ao escrever a letra, reforçando o caráter aberto e universal da obra. Frases como “o que não tem medida, nem nunca terá” e “o que não tem governo, nem nunca terá” ampliam o sentido para algo que foge a qualquer controle externo, seja moral, religioso ou político, podendo ser lido tanto como desejo sexual quanto como impulso de liberdade ou transformação social.

A estrutura da música, com repetições e rimas internas, aumenta a sensação de urgência e inquietação. Termos como “aguardente que não sacia”, “doente de uma folia” e “aflição medonha” reforçam a ideia de um desejo vital, inevitável e perturbador. Assim, a canção permanece aberta a diferentes interpretações, permitindo que cada ouvinte projete nela suas próprias paixões e inquietações, o que explica sua força e permanência como clássico da música brasileira.