Qué Será

O mistério universal e a força indomável em “Qué Será”

“Qué Será”, de Chico Buarque, destaca-se por sua ambiguidade central. A letra gira em torno de um mistério universal, algo que “anda en las cabezas y anda en las bocas” (anda nas cabeças e anda nas bocas), mas nunca é nomeado diretamente. Chico Buarque já afirmou que nem ele sabia ao certo o que inspirou a canção, o que reforça o caráter aberto e enigmático da obra. Essa indefinição permitiu múltiplas interpretações, inclusive por parte dos censores do regime militar, que tentaram decifrar o significado sem sucesso. O refrão “Que no tiene certeza ni nunca tendrá / Lo que no tiene arreglo ni nunca tendrá / Que no tiene tamaño” (Que não tem certeza nem nunca terá / O que não tem conserto nem nunca terá / Que não tem tamanho) sugere que o tema é algo inerente à condição humana, impossível de ser explicado ou controlado.

A música percorre diferentes ambientes e personagens — amantes, poetas, profetas, mutilados, meretrizes, bandidos, desvalidos — mostrando que esse “qué será” atravessa todas as camadas sociais e situações, seja no desejo, na dor, na esperança ou na transgressão. O mistério pode ser entendido como metáfora para desejo, paixão, liberdade ou até subversão política, especialmente considerando o contexto de censura e repressão em que foi composta. Versos como “no tiene censura ni nunca tendrá” (não tem censura nem nunca terá) e “no tiene gobierno ni nunca tendrá” (não tem governo nem nunca terá) reforçam a ideia de algo indomável, que escapa ao controle das autoridades e das normas sociais. No final, a canção sugere que nem mesmo “el mismo padre eterno” (o próprio pai eterno) pode ignorar essa força, que será abençoada mesmo sendo um “infierno” (inferno). “Qué Será” é, assim, uma reflexão sobre o que move e inquieta a humanidade, sempre envolto em mistério e resistência à definição.