Doce Doce

Psicodelia e rua em “Doce Doce”, da ConeCrewDiretoria

O “doce” do refrão opera em dois níveis: na gíria de rua, é LSD, e também simboliza o alívio rápido diante do aperto diário — ideia reforçada pela cadência psicodélica da faixa e pelos pedidos de fuga e leveza. Quando Rany Money dispara “não vou assinar o 12”, aciona o código popular para a acusação de tráfico (antigo art. 12 da lei de entorpecentes), conectando a letra à repressão policial e à criminalização das drogas, que o grupo contesta ao defender a legalização da maconha. O primeiro verso arma o cenário: corpo livre com “mente encarcerada”, governos que mantêm “ritmo, ilusório vício”, presença constante dos “de farda” e precariedade (“na boca o que falta é dente”). Entre “ondas psicodélicas” e sobrevivência urbana, ele troca conformismo por tática: se não dá pra peitar sempre, valem alianças e códigos de rua. Como faixa do álbum de estreia Ataque Lírico (2007), a ConeCrewDiretoria já fixa sua pauta: liberdade pessoal, crítica social e vontade de escapar da engrenagem.

O refrão — “Eu quero um doce-doce, por favor, um doce moço” — costura os temas: pode ser pedido literal por psicodélico ou senha de prazer que anestesia por instantes. O “tô vendendo… pra ninguém” ironiza vigilância e estigma, marcando a fronteira entre desejo e risco. No segundo verso, Maomé mergulha na psicodelia como autoexame: inquieto, atraído pelo “gosto doce do veneno”, reconhece a autodestruição e busca cura e proteção no “cálice da humildade”. A trilha espiritual — “Oxalá, Jesus… Jah” — liga transcendência à “evolução da mentalidade”. Ao cutucar o mainstream com “me diz que o rap não é cultura…”, contrapõe substância a superficialidade e afirma trabalho e auto-sustento como rota de libertação. Emocionalmente, a faixa oscila entre revolta e urgência (Rany Money) e confusão com lampejos de insight (Maomé); tudo converge na vontade de aliviar, sobreviver e expandir a consciência no aperto da cidade.