Procissão ou Jesus no Xadrez

“Procissão ou Jesus no Xadrez”: fé sob mando coronel

“Procissão ou Jesus no Xadrez”, do Cordel Do Fogo Encantado, adapta o poema “A Briga na Procissão”, de Chico Pedrosa, e transforma a Paixão de Cristo em crônica do sertão para expor o poder local. A ironia central está no desfecho: “Jesus foi pro xadrez” — o sagrado punido pela justiça da terra, enquanto a cruz fica de lado. O cenário define o tom: “quando a lei era do braço do jagunço, pau mandando do coronel invasor”, a encenação repete a violência habitual — “só não mudavam a cruz, o verdúguio e os mal-tratos”. O centurião Bastião, bêbado “do vinho que o capelão guardava”, ignora o pedido de Quincas Beija-Flor — “bate devagar” — e o chama de “frouxo”, expondo machismo e naturalização do sofrimento. O próprio título crava a encruzilhada: procissão ou cadeia; “xadrez” (gíria de prisão) vira metáfora da fé enquadrada pelo mando local.

Quando a procissão descamba para a pancadaria — Madalena, Pilatos, Caifaz e até São José entram no rolo — o sagrado se mistura ao mundano com humor de cordel, mas a crítica é direta: basta Jesus recusar apanhar calado para o ritual ruir e emergir a violência estrutural. A ordem final não vem do altar; vem do “doutor delegado”, que troca crucificação por prisão e mostra quem manda. O jogo de inversões — “cada santo pro seu lado” — espelha a comunidade sob coronéis e jagunços, e uma religiosidade popular atravessada pela dureza do dia a dia. Fiel ao espírito de Chico Pedrosa, o grupo, conhecido por mesclar poesia, teatro e ritmos regionais, leva essa história ao palco para valorizar e revirar a tradição nordestina, acentuando a tensão entre fé, poder e violência.