Beyond

“Beyond”: amor, silêncio e transcendência no Daft Punk

Em “Beyond”, Daft Punk trata o amor como portal para um estado ampliado de consciência, não como ponto de chegada. A ideia de “The perfect song is framed with silence” (a canção perfeita é emoldurada pelo silêncio) e “Before sound” (antes do som) se reflete na abertura orquestral que se desdobra em um groove soul próximo de I Keep Forgettin’, de Michael McDonald, referência reativada pela cultura pop em Regulate, de Warren G. Ao cruzar solenidade sinfônica e cadência familiar, o duo sugere que a viagem interior também passa por memórias afetivas. A letra então convida à entrega: “Close your eyes and rise” (feche os olhos e se eleve), “To find our way, we lose control” (para encontrar nosso caminho, perdemos o controle) e “There’s no such thing as competition” (não existe competição) falam em soltar o ego e reconhecer uma unidade maior. Em “You are the night, you are the ocean” (você é a noite, você é o oceano), o eu se dilui no todo; e “This is a journey of the soul” (esta é uma jornada da alma) explicita o tema da transcendência.

Metáforas como “Beyond love” (além do amor) e “Angel eye / forever watching you and I” (olhar de anjo / para sempre observando nós dois) permitem leituras duplas: ultrapassar o amor romântico rumo a uma compaixão universal e intuir um guia interior que observa e orienta. “Your home’s a promise long forgotten / It is the birthplace of your dreams” (sua casa é uma promessa há muito esquecida / é o berço dos seus sonhos) define esse “lar” essencial como fonte íntima de desejo e sentido, situado em “A world where time is not allowed” (um mundo onde o tempo não é permitido). Coescrita com Paul Williams, parceiro também em Touch, a canção mantém o tom contemplativo e esperançoso típico dessa colaboração: simplicidade na forma, espiritualidade no fundo, sempre apontando para dentro como caminho para viver e compreender mais profundamente.