Cabra

Fé e rua em “Cabra”: GOAT sem hype, família e racismo

Em “Cabra”, Dalsin cria uma espécie de Bíblia da quebrada ao se declarar autor de um “novo testamento de outro Cristo” e contar “quase 33 versículos”, espelhando a idade simbólica de Jesus para aproximar fé e periferia. O verso “O GOAT sem hype é uma cabra” faz trocadilho com a sigla (Greatest of All Time) e provoca a indústria: sem holofote, o talento vira “só bicho”, mas ele se assume grande com ou sem validação. O destino aparece atado à família em “sucesso precoce do neto da Terezinha”, enquanto o retrato é coletivo em “Gabriel, diego ou Ygor / Qualquer um é mema fita que a minha”. A rua segue tensa em “Crianças hora de fugirem da pracinha”, e o arco bíblico fecha com “festejando igual no domingo de ramos”: entrada triunfal depois da via-crúcis moderna. Sem pose, ele encara as contradições: “Rimos... nos embebedamos... depois falamos mal das pessoas que mais amamos”.

As barras sobre futebol viram crítica social: “Os estádios da Espanha gritam pare este miúdo” e “o 7 de Madrid” apontam para Vinicius Jr., alvo de racismo em La Liga, enquanto “racismo agora gera conteúdo” denuncia a espetacularização da violência racial. A ironia de “os branquinho da Catalunha querem ser Vinicius Jr” expõe apropriação sem vivência da opressão. No refrão, “Derrubando cones e placas” simboliza romper barreiras da rua e ecoa o treino; “Sigo com foco espancando a porra da ponta da faca” atualiza o ditado da insistência na dor; “Pose pra foto que essa aqui vai pra capa” é autoafirmação e metalinguagem que o clipe de Jean Furquin potencializa. Com batida envolvente de Nobre Beats, lançada em abril de 2024 no EP homônimo Cabra (seis faixas, com Salaga, Jotapê e Predella), a faixa consolida o conceito: ele é “GOAT” à própria maneira — sem hype, firme como cabra, derrubando obstáculos.