Me! Me! Me!

Entre projeção e lucidez em “Me! Me! Me!”, de Daoko

Em “Me! Me! Me!”, a narradora se enxerga como uma invenção do outro, “a eu que vive dentro de você”, e desmonta essa fantasia. No clipe de Hibiki Yoshizaki para o Japan Animator Expo, essa fantasia vira uma idol sedutora, reforçando a crítica ao escapismo e à idealização; a faixa é de Daoko em colaboração com TeddyLoid, e o vídeo virou fenômeno cultural em 2014. Quando ela afirma que o “ídolo”/“偶像” (ídolo) e a “miragem” do outro não são reais, expõe o “patchwork de memórias convenientes” que sustentou o vínculo. Ao mesmo tempo, pede ajuda para viver melhor — “sou um produto da indecisão, me dá dicas” — e alterna entre adoçar palavras e aplicar cortes diretos, cantando para desabafar enquanto tenta preservar o brilho de momentos que já se desfizeram.

O trajeto emocional vai do apego à projeção ao ciúme e à despedida. O ciúme acende na repetição invejosa de “aquela garota parece se divertir”, enquanto tudo “se acumula até transbordar” e o espelho se estilhaça — sinal de autoimagem quebrada e consciência da própria fragilidade. Há também o confronto com a máscara do outro: por fora ele ri, por dentro afunda num “pântano escuro”, sintoma de alienação que o vídeo amplifica como crítica ao refúgio fantasioso. No fim, “o amor eterno está em メーデー (socorro)” dispara um duplo sentido: soa como pedido de socorro de um amor em pane e, ao mesmo tempo, como um “May Day” (Dia do Trabalho) reduzido a slogan gasto pela repetição. Dizer “sayonara” (adeus) é aceitar que o mito ruiu; sobra a lucidez triste de seguir sem o ideal que mantinha tudo de pé.