Root

Tensão entre fé, culpa e desejo em “Root”, do Deftones

“Root” articula o atrito entre fé e profanação: o sagrado aparece como refúgio e como transgressão. “I’m in trouble because playing God” (estou encrencado por brincar de Deus) e “With Jesus in a bowl of dirt” (com Jesus numa tigela de terra) expõem essa ambivalência, um apelo espiritual já contaminado. A sensação de impotência e julgamento surge em “To be forced under” (ser forçado a afundar) e “To be judged by one or licked by three” (ser julgado por um ou lambido por três). As imagens de “your holes enclose” (seus buracos se fecham) misturam humilhação e sexualidade, sugerindo submissão forçada ou o corpo como moeda de apaziguamento. Em “We gave our eyes but no one will” (nós entregamos nossos olhos, mas ninguém quis ver), há entrega sem retorno. O impulso de transcendência aparece em “Deliver me up/there” (entrega-me lá em cima), enquanto o “bowl of dirt” lembra que qualquer elevação vem coberta de culpa.

A narrativa possível é a de alguém que tenta desaparecer para escapar do carimbo de “psycho” e do cerco, com “you won’t find me” (você não vai me encontrar) repetido como mantra. A inadequação surge crua em “Cannot fuck to be me” (não consigo foder para ser eu). “He gets real high/He’s up inside, we start to cry” (ele fica muito chapado/ele está lá dentro, começamos a chorar) admite duas leituras: vício que invade o corpo ou penetração violenta. Ainda assim, lampejos de superação em “Deliver me up” (entrega-me) e “I will fly” (eu vou voar) conectam a busca de aceitação à fé. O arranjo reforça o choque: guitarras saturadas, vocais entre grito e sussurro e baixo pulsante criam colapso e resistência. Gravada em demo de 1993 e lançada em Adrenaline (1995), a faixa preserva a crueza inicial: agressividade e vulnerabilidade lado a lado, numa tentativa de redenção em meio ao caos.