Seresta Sertaneza

“Seresta Sertaneza”: amor, cosmos e a fala do sertão

“Seresta Sertaneza”, de Elomar Figueira Melo, une o cavaleiro andante medieval à fala do sertão para narrar uma iniciação amorosa e cósmica. O “cordel de luz” funciona como cordão umbilical do viajante estelar e, ao mesmo tempo, aceno à literatura de cordel nordestina. Do “beijo puro” brota a travessia por “cerúleas regiões”, onde o peregrino busca vencer forças opressoras e alcançar um saber mais alto — leitura que se aproxima do mito de Prometeu. No verso “Tresloucado cavaleiro andante”, Elomar acopla o imaginário ibérico-medieval às paisagens da seca e do cosmos. O confronto com o “acusador” admite duas chaves: luta prometeica contra o opressor terreno e pela luz do conhecimento, ou embate espiritual com o “acusador” bíblico. O artesanato verbal — arcaísmos como “cerúleas” e “donzela”, neologismos e o sertanejismo de “apois” — expõe um projeto purista à maneira de Ariano Suassuna, fazendo de “Seresta Sertaneza” uma trova noturna de exaltação da cultura de raiz.

A narrativa segue a via-crúcis do herói. Ele recebe “poderes encantados” e aprende que fundir espaço e tempo e domar “tentações rasteiras” só é possível a quem reconhece “o amor” como “o único portal”. Ainda assim, permanece “atado ao umbigo”, sem transmutar-se ao “reino dos cristais” — imagem que liga o chão à origem-cordão. Quando se diz que Deus “acorrentou os sábios na prisão escura das tres dimensões” e que eles, “a serviço dos maus”, iludem corações, a canção comenta o aprisionamento do conhecimento no mundo material e a mentira institucional, em chave prometeica. Por “vias estelares”, o viajante oscila entre êxtase e queda — “quebra o encanto e torno ao mundo de meus pais” — até a renúncia final: “Donzela fecha esta janela e não me tentes mais”. A seresta mira o céu, fala a língua da terra e toma o amor como passagem possível entre as prisões do tempo e da dimensão.